quinta-feira, 26 de julho de 2012

É um assalto!


                                                  É um assalto!
Tudo começou naquela manhã de verão em que Deoclécio acordou antes do despertador.
Levantou-se como de costume, se arrumou e desceu para tomar o café da manhã no salão da pensão onde morava. Logo em seguida saiu à rua. Enquanto andava distraído ia pensando na vida. –O que fazer a esta hora?-
Olhou o enorme relógio de pulso em seu braço e viu que eram apenas seis horas. Deduziu que acordou muito cedo, cedo demais. Havia perdido o sono com esse calor que andava fazendo há dias e que o fez rolar na cama a noite toda cheio de inquietação.
Foi andando vagarosamente até a esquina, depois atravessou a rua larga e foi até a banca de jornal e revistas. Passou os olhos pelas manchetes dos jornais e nada de novo... Só o assunto de sempre; futebol, política e assaltos para todo lado. Muita violência.
Um calafrio percorreu suas costas causando um estremecimento no corpo todo. Andava com medo, nunca foi medroso, mas em vista das circunstâncias andava com muito medo, medo de ser assaltado. Quando viera para a cidade grande trabalhar a família havia lhe falado dos perigos que a cidade escondia, mas dava para ver que a coisa era bem pior.
De vez em quando se pegava pensando e se fosse assaltado? E ficava imaginando como seria, o que ele sentiria, qual seria a reação de todos...
Na verdade ele tinha um real motivo para se preocupar. Ele trabalhava com dinheiro, muito dinheiro, num posto de vendas de passe de ônibus e por ali circulava todo o tipo de gente e um pessoal muito mal encarado. Volta e meia comentava com os seus colegas de trabalho sobre o perigo que corriam de serem assaltados e eles riam da minha quase ingenuidade. E ainda lembravam que havia câmeras e que até os bandidos conseguirem dominar o ambiente a polícia chegaria e tudo bem.
Até que um dia o gerente responsável pelo setor o ouviu e o chamou até a sua sala e o levou até perto de sua mesa de trabalho.
 - Deoclécio: não sei o que deu em você, parece que nem é um homem de fé, onde foi para a sua autoconfiança?
Disse isso enquanto colocava a mão sobre uma bíblia de capa preta e letras douradas, tamanho grande, que pairava fechada sobre a mesa, olhou-o nos olhos e falou:
- “Aquele que crê em mim, viverá”.
Deu mais um tapinha nas costas e o mandou trabalhar.
Passaram se alguns dias e ainda encafifado com a coisa resolveu bolar um plano. Chegou em casa tomou de um dos oito cadernos empilhados numa prateleira e começou a escrever o que parecia ser um diário onde anotava suas dores e alegrias e ultimamente sua principal preocupação; os assaltos. Bolou um plano e o descreveu passo a passo no caderno, voltando a coloca-lo na prateleira perto da cama.
A primeira parte do plano era ligar para a empresa avisando que estava doente e não iria trabalhar. Deitou-se na cama e começou a repassar o plano mentalmente. La pelas dezesseis horas, vestiu-se todo de preto, levando uma meia de mulher cortada ao meio para fazer uma máscara. E finalmente uma réplica perfeita de uma arma de brinquedo que colocou numa mochila e saiu.
Afinal tudo o que ele queria era provar para o chefe e os colegas o perigo que corriam de serem assaltados.
Caminhava pela rua com um sorriso no rosto pálido e franzino enquanto pensava na cara do chefe assustado, os colegas gritando e se jogando no chão, ia ser muito engraçado. Depois ele retiraria a meia da cara e se revelaria aos colegas mostrando como tudo não passava de um farsa para mostrar como corriam risco.
Assim que entrou, sacou da arma e a colocou na cabeça de um colega o encaminhando para a sala do gerente onde estava o cofre e falou com voz esganiçada:
-É um assalto!
Então como num relâmpago viu o gerente pular em direção à mesa, abrir a Bíblia e sacar de dentro um revolver em seguida atirar sem que tivesse tempo de pensar em qualquer coisa.
Enquanto caía com uma bala no peito lembrava o que o gerente havia dito;
“Aquele que crê em mim, viverá”.
O que ele não imaginava é que o gerente tinha fé era na arma que guardava escondida dentro da bíblia.

2 comentários:

  1. Que pena que eu já conhecia a história (foi você mesma quem contou), mas essa versão, mais elaborada, ficou ótima!

    Beijocas :)

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  2. Gostei muito, Clotilde. E que final inesperado! Um irônico desfecho, numa narrativa que mantém a respiração suspensa. Parabéns.

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