segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O Interpretador de Sonhos

                               O Interpretador de Sonhos
Havia no mercado de peixes um trabalhador, exímio interpretador de sonhos, principalmente para o jogo-do-bicho, costume muito comum naquela aldeia.
A pessoa tinha um sonho, ele interpretava o sonho e a pessoa jogava no bicho, como se falava, e no fim do dia, quando saía o resultado, ia ver se havia ganho algum dinheiro. Às vezes sim e muitas vezes não. Mesmo assim o povo dali mantinha aquele hábito.
Mas o mais interessante era o resultado da interpretação que dificilmente, para não dizer NUNCA, dava para entender como o velho da peixaria acertava e como ele chegava até aquele resultado, o bicho propriamente dito.
Mas havia um porém naquela consulta inusitada; é que o velho, mais conhecido como Senador, avisava incansavelmente que para ganhar a pessoa deveria guardar segredo do sonho e da interpretação, senão os deuses que acionavam o resultado ficavam injuriados e o bicho “não dava”. E assim acontecia o tempo todo e como as pessoas vinham comprar peixe, ali mesmo, baixinho, faziam uma consulta rápida e quando o sonho era longo ele saia para atender lá fora.
E não foi diferente aquele dia. Seu Nicanor das couves foi até o mercado comprar um peixinho “pra mode comê mas a muié dele” e aproveitou para pedir que o amigo decifrasse o sonho dele. E despistando de tomar um trago no boteco ao lado da peixaria saíram um pouco lá fora para a consulta.
E Seu Nicanor passou a contar o sonho dele:
- Pois é amigo, esta noite sonhei que caminhava por uma estrada de terra vestido de rei de capa, cetro e coroa, levando atrás de mim um séquito de pessoas que traziam na cabeça aqueles gorros antigos de dormir com uma bola na ponta, logo atrás deles uma comitiva de carroças enfeitadas e puxadas por cavalos também enfeitados de penachos coloridos. E um determinado momento todos nós paramos ao redor de um poço de água feito de pedras, onde havia uma pessoa vestida com uma roupa de dormir listrada em azul, com um balde na mão e começou a distribuir água. Como rei que eu era, mandei que o cara parasse e primeiro servisse os cavalos e depois os homens que caminhavam e por último os que vinham nas carroças.
Depois eu já me vi sem roupa, totalmente nu tomando banho numa lagoa, tão clara que eu via no fundo um monte de siri correndo, foi então que acordei.
- O que você acha do meu sonho Senador, qual bicho eu jogo hoje?
Depois de um tempo meditando ele respondeu:
-Você deve jogar no Jacaré !
E nada mais falou entrando de volta na peixaria.
Seu Nicanor passou no apontador do jogo e saiu de lá todo feliz com um jogo “todo fechado” no Jacaré.
No final da tarde, ele voltou ao mercado de peixe e deixou lá um “agrado” discretamente na mão do Senador que sorridente embolsou sem conferir, confiava plenamente nos amigos que sempre que acertavam levavam uma porcentagem para ele, era de praxe. E com esse “trabalhinho” paralelo de interpretador de sonhos ele garantia algum dinheiro a mais no final do mês.
O que ninguém sabia era que o Senador nunca jogava no bicho, mas garantia o dele todo dia, pois ele dava sempre a dica de um bicho diferente e quanto mais pessoas lhe perguntassem qual era o bicho que ia dar ele sempre indicava um diferente, assim um deles, ou vários ganhavam e ele sempre ganhava a porcentagem, daí porque a importância do segredo que ele pedia aos que perguntavam qual era o bicho do dia.
Espertinho o Senador, né?


domingo, 18 de janeiro de 2015

Comunicação Espontânea ou seria Instantânea?

                                              Comunicação Espontânea ou seria instantânea?
Hoje de manhã peguei o ônibus para ir para a ilha e depois um outro para ir para o Shopping almoçar e ver umas coisas, até ai nada demais, rotina.
Mas o que chamou a minha atenção foi apreciar, como já notei outras vezes, como certas pessoas tem a capacidade de puxar conversa com qualquer um e em qualquer lugar com a maior naturalidade e acho isso um barato. 
Elas conseguem retirar em poucos minutos de conversa informações incríveis e impensáveis muito mais rápido que uma investigação policial, fazem um perfeito e completo cadastro da pessoa a quem interessar possa.
Pois hoje quando ia para o Shopping sentei no ônibus quase na frente, perto de uma porta de saída, atrás de duas outras mulheres que pareciam ter nascido na mesma semana que eu. 
E as duas logo se encantaram com um bebê de 24 dias e que a jovem mãe acomodava com carinho. Pois elas logo perguntaram se era menino ou menina, quantos dias e qual o nome que nem me lembro agora, pois até ai nem tinha prestado a atenção em nada.
Pois deram palpite na posição em que a criancinha estava no colo da mãe, que alguém poderia entrar no ônibus e bater com a bolsa na cabecinha do neném, que a mãe o virasse para o lado de dentro, o que a jovem mãe nem titubeou em obedecer. 
E mais falaram de criação de crianças falando em alto e bom som que "quem foi mãe um dia, vai ser a vida toda", daí a preocupação dela, na verdade das duas que sentavam juntas, pois a outra confirmava tudo e dava pitacos sempre que a do lado falava alguma coisa, sempre confirmando tudo.
Enquanto falavam e comentavam entre as duas, olhavam para outra senhora, alguns anos mais nova que ia sentada duas poltronas à frente, do outro lado do corredor.
Ou seja; foi necessário falarem bem mais alto para se entenderem e se comunicarem as três.  
A outra da esquerda, a terceira mulher, se empolgou e também começou a sorrir e fazer comentários sobre a criancinha, entrando na conversa alegremente, até que uma das duas da minha frente, esgotou o assunto com o neném e a jovem mãe, e mudou o rumo da conversa para a do outro lado do corredor e perguntou à queima-roupa se ela era da cidade, e ela disse que morava no Rio há 32 anos, mas era do Paraná, mais precisamente de Londrina e que estava passeando na casa da filha. 
Daí a mulher da frente comentou que também conhecia o Rio e adorava, então trocaram informações de endereços, pontos de referência e localizações la do Rio de Janeiro, e a mulher mais nova falou que morava a um quarteirão do mar, mas ela havia comprado o apto há muito tempo quando os preços ainda eram bem menores, no que a outra da frente empolgada comentou: - mas hoje em dia vale mais de 2 milhões qualquer apartamento por ali!!!-  E a terceira mulher sorriu com cumplicidade.
Daí a outra quis saber se era grande o apartamento e ela confirmou que tinha três quartos e era muito agradável, lembrando que isso tudo foi falado dentro do ônibus, uma sentada de um lado e as  outras duas do outro, num tom de voz compatível com o barulho do motor do ônibus.
Daí a mais velha perguntou se ela tinha filhos e ela respondeu que sim, tinha dois, uma moça e um moço. A filha mora e adora Florianópolis, mas o filho prefere o Rio. 
E a mulher mais velha continuou;
 - E a senhora tem marido?
- Sou divorciada.
Nisso a mulher, a mais nova,  se levantou com certa dificuldade, meio atravancada, pois transportava uma sacola de loja enorme com alguma coisa grande dentro e a outra do lado de cá logo perguntou:
- Já vai?
- Sim, vou à casa da filha...
- Está levando presente para os netinhos?
- Não, não tenho netos, é para a filha mesmo...
E desceu em frente a uma enorme Igreja que fica na Avenida, e  ela, enquanto descia a senhora com dificuldade, emendou:
-Esta Igreja é muito bonita, quer ver por dentro!
A que descia ainda deu um último sorriso confirmando e se foi pelo sol a fora.
 E a vizinha de banco virando-se para outra lhe mostrou um livro que havia comprado no Aeroporto e já tinha lido todo,  agora ela iria passar para a filha e comprar outro porque gostava muito de ler. 
Era um livro dirigido para Mulheres, deu para eu ver enquanto eu descia no ponto do Shopping.

Do Terminal Central até a parada que eu desci, um ponto depois da terceira mulher, foram apenas seis pontos de ônibus, é mole?

sábado, 10 de janeiro de 2015

Passando Sobre o Triângulo

                                  Passando sobre o Triangulo
Todos os passageiros finalmente se acomodaram após os cumprimentos normais da tripulação e as informações sobre os procedimentos de sobrevivência em caso de acidentes. Acho que é a lembrança dessa possibilidade descrita logo no início do voo que apavora quem tem medo de viajar de avião, e não é para menos, mas enfim, um mal necessário.
Eita! E lá vamos nós rumo às Férias no Caribe, sonho de muito tempo e de muitas moedas economizadas, guardadas e com certeza também de muitos românticos e sonhadores. 
Lugar paradisíaco, o sonho de mergulhar naquele mar azul cristalino maravilhoso, ver peixinhos de perto, ficar boiando sob o sol naquela imensidão azul vendo o céu se encostar no mar como se ali o sol nunca fosse embora, sonho de consumo de qualquer mortal. Acho que os Caribenhos não conhecem chuvas e trovoadas, não ali naquele lugar de Paz que parece que não deve chover nunca.
Passado algumas horas de voo uma inquietação tomou conta de mim e a minha intuição me avisou que brevemente iríamos cair. Isso me causou um pânico que o homem que viajava ao meu lado segurou firme na minha mão querendo me tranquilizar. Ai é que o meu pânico aumentou a ponto de desesperadamente com a outra mão apertar o botão da comissária para pedir uma água com açúcar ou um calmante. Dali a pouco ela me trouxe dois comprimidos de Passiflora como se fossem calmantes de verdade para uma hora daquelas. Pânico total!
E o homem de três dedos continuava segurando a minha mão trêmula e gelada. Mas com fé e pensamento positivo, desesperadamente consegui me desvencilhar do cara esquisito.
Olhando melhor, a pele dele parecia o de uma pessoa que tinha um circuito elétrico sob a pele. A circulação sanguínea era cintilante, as veias pulsavam num brilho azulado faiscante de purpurina naquele pescoço desconhecido, estranhíssimo. 
O pânico só aumentou, eu chorava copiosamente e a comissária voltou para ver se eu havia melhorado. -Que nada.-
Em pouco tempo me trouxe outro passageiro que se identificou como médico e me retirou dali, e os dois, o pretenso médico e a comissária me conduziram à comissaria onde o cara que se disse médico, me fez sentar e mediu minha pressão num aparelho que mais parecia um fone de ouvido. Me olhou no fundo dos olhos e naquela hora observei através de seus óculos quase escuros que ele não tinha o branco dos olhos, era tudo preto com um risco amarelo como um gato. Logo em seguida numa rapidez incrível ele me aplicou uma injeção que tirou não sei de onde e eu dormi. Fui colocada na poltrona de volta e nem percebi quando horas depois o avião mudou a rota, entrou numa massa de nuvem e desceu vertiginosamente como se estivéssemos num elevador, ou seria como os helicópteros aterrizam?  Pois é, por ai. 
Dai acordei logo que a aeronave parou os motores e uma voz avisou que deveríamos descer em silencio e entrar no ônibus que nos aguardava. Todos se olhavam com expressão de curiosidade e medo e obedeciam a voz automaticamente.
É claro que ai, desde a hora do pouso, eu já estava  bem acordada, muda como um poste, e acabei descendo por último.
O Lugar era muito estranho, uma bruma seca envolvia todo aquele lugar que me pareceu uma ilha já que percebi o cheiro da maresia.
Não dava para ver o céu, já que todo o espaço que se avistava estava coberto por um imenso bloco de nuvens, literalmente uma tampa de nuvens.
 O ônibus nos levou por um caminho para fora da pista de pouso e fomos por uma estrada arborizada até uma montanha de uma pedra só, imensa, gigante mesmo, e o ônibus se conduziu para as entranhas da montanha de pedra por uma abertura entre plantas.
Dali fomos levados para uma cidade subterrânea onde todos viviam uma vida normal, entre jardins, trabalhando e se divertindo.

Era um mundo novo sem volta...