quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Sera?


                                            Será?
Vocês devem ter notado que sumi daqui por uns dias, mas foi por um bom motivo;
Otávio desapareceu por um dia e uma noite o que me deixou sem chão. Fiz um Boletim de ocorrência na delegacia de desaparecidos, visitei hospitais e necrotério e sai perguntando se alguém o havia visto pela redondeza. Nada. Desesperada eu me perguntava: -Como viver sem a presença daquela alma autoritária, mandona, malandra, sem vergonha, destemida e obstinada criatura, cheia de imaginação e sem muitos princípios?  Não imagino e por hora nem quero imaginar.-
Pois bem anoitecia entre nuvens pesadas de chuva que não tardou a cair em cântaros. Era o dilúvio de Noé na versão atual onde as enchentes acontecem por conta de bueiros entupidos de garrafas e objetos plásticos e de todos os materiais imagináveis. Boiam descaradamente pelas enxurradas sofá de dois e três lugares de várias estampas, fogões de quatro bocas de cinco e até seis bocas, pneus, máquinas de lavar e geladeiras. Quilos e quilos de fraldas descartáveis sempre cheias, sacos plásticos de todos os tamanhos e cores com restos de tudo, o que me faz pensar no ser humano; que nessas horas é que a gente vê como ainda somos bem "serumaninhos".
Os mangues das redondezas expulsaram seus jacarés que saíram às ruas de bonés vermelhos reivindicando suas terras moles e encharcadas que estão sumindo a cada ano que passa misteriosamente. Hoje muitas lojas construídas na região vendem a marca "Lacoste", talvez por desencargo de consciência, sei lá.
Olhava eu pela janela que escorria lágrimas de chuva com certeza copiando meus olhos à espera do desaparecido, quando a campainha toca estridente e insistentemente.
Fui abrir a porta correndo e com quem me deparo? Sim ele mesmo em pessoa, pelo encharcado e oiriçado no último e cara de pânico estampado em cores.
Dei um pulo para traz para não ser atropelada pela criatura arregalada que foi entrando correndo, fechando as janelas e foi se esconder dentro do guarda roupas.
- Mas o que está acontecendo? Lhe perguntei entre aliviada e com raiva, muita raiva, só imaginando o que ele "aprontou" dessa vez; "Senta que lá vem história" já dizia um programa de televisão de antigamente.
Sem sair de dentro do armário, escondido atrás do casacão, ele foi me contando o que aconteceu;
"Eu sai lá fora para apanhar sol no jardim logo depois do almoço, pois era também a hora que a gatinha da vizinha também ia tomar sol e bater um papo, mas antes dela chegar aconteceu uma coisa que nem vais acreditar, o sol apagou de vez, ficou tudo escuro como noite e reparei que o mundo parou, não havia nenhum movimento, nem som e nem qualquer outro tipo de atividade. A terra parou literalmente, acho que só eu não congelei no tempo. Foi quando vi dois caras esquisitos jogarem uma rede magnética, assim me pareceu,  luminosa e cintilante sobre mim e me carregaram por um facho de luz incandescente que saia de dentro de uma grande nave, lá para dentro. Era um objeto voador enorme, um OVNI que pairava ali acima do nosso prédio e que num movimento acima da velocidade da luz  foi nos transportando pela imensidão do espaço sideral. Essa parte foi fantástica."
Nem quis interromper para não perder o juízo e ele continuou:
"Logo, num piscar de olhos, tínhamos chegado, como eu diria aterrissamos, se lá não é a terra? Bem deixa para lá. Ao descer também foi por dentro de um elevador de vidro que andava em todas as direções e nos levou para um prédio esquisito todo de vidro que só dava de ver de dentro para fora e de fora parecia quase invisível. Um mistério"
Nessa hora coloquei minha mão sobre a testa dele pois devia estar delirando, ele me ignorou e continuou contando com os olhos amarelos fixos em mim...
"Lá dentro me sentaram em uma cadeira cheia de aparelhos ao redor e rastrearam o meu corpo com um daqueles aparelhos com cara de barbeador elétrico que lê código de barras, sabe? Aquilo rastreou tudo o que eu tenho de mais intimo enquanto numa tela aparecia cada detalhe, teve uma hora que me indignei com a violação de intimidade, mas minha boca estava com um sensor pregado sabe se lá para quê?!"
 - Quis lhe dizer que era para analisar as bobagens que ele falava, mas me calei e ele foi falando...-
 "Após toda aquela barafunda de coisas acontecendo ao meu redor, me retiraram o sensor da boca e apareceu um letreiro perguntando se eu estava com fome. Eu quis dizer que não, pois nem imagino o que esse povo come, mas eles acenderam na minha frente uma tela com o programa da "Anamariabraga" com o louro José e tudo. Ela cozinhava alguma coisa muito deliciosa, pois o cheiro impregnou a sala acendendo a minha fome que naquela hora era igual a dos homens do começo do mundo. Daí a curiosidade foi maior que a fome e perguntei a eles, como era que a imagem deles tinha cheiro? Essa tecnologia a terra ainda não atingiu. E eles pacientemente me explicaram que há muito eles não usavam mais tela física como a conhecemos na Terra e que o uso da holografia tão trivial entre eles, lhes permitia inserir focos intermitentes de luz em códigos específicos de forma subliminar que trazia ao cérebro a lembrança perfeita dos cheiros que se conhece, assim ao ver a imagem o cérebro conecta o cheiro à imagem e lembrando intensamente "sentimos" o cheiro perfeito como se estivesse ao vivo. Isso não é incrível? Só por isso valeu ser abduzido"...

Comecei o ano bem com esse cara cheio de imaginação... ;)



quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Ressaca


                                                                       Ressaca
Agora que já entramos no terceiro dia do ano vou contar como foi o Réveillon aqui em casa já que aguardava o desenrolar dos acontecimentos.
Logo pela manhã do dia 31 Otávio saiu cedo carregando uma enorme sacola.
Todo esbaforido me disse que naquele dia trabalharia mais que em todos os outros 364 que haviam se passado em 2017, agora no passado. Acreditei, claro! SQN.
Enquanto eu arrumava as minhas coisas e pregava as últimas lantejoulas do meu vestido branco e do adereço de cabelo, as horas se passaram e ao escurecer me dei conta de que Otávio, o meu companheiro de moradia, não havia voltado até aquela hora e eu até me preocupei por uns instantes, porém como ele era sempre auto-suficiente em absolutamente tudo, e não permitia interferência no que faz ou decide fazer então achei por bem não me preocupar até por absoluta falta de tempo, pois eu havia combinado de me encontrar na praia com algumas pessoas e estava em cima da hora.
Passado um tempo eu já havia me esquecido de tudo mais que não fosse a festa de despedida  de mais um ano, finalmente entrou o Ano Novo com a barulheira de sempre, os fogos explodindo ao som de uma música que mal se ouvia no meio do foguetório, não sei porque a colocam, brindes abraços e promessas que serão esquecidas dez minutos depois, isso sendo generosa e venenosa, vem depois o ritual de molhar os pés no mar e volta para a areia para  que fiquem parecendo à milanesa e que depois só vai sair tudo mesmo debaixo do chuveiro. Essa parte me incomoda um pouco.
Canta-se  a velha música ♫♪'adeus ano velho, feliz ano novo"...♪♪♪♫♫♪ e todos são felizes, pelo menos naqueles momentos...
Quando acordei no primeiro dia do ano o sol já ia alto. Vesti minha roupa de banho e voltei para a praia com toda animação que o dia pedia. Senti falta do Otávio; nem tive oportunidade de abraçá-lo pela passagem do ano, mas tudo bem, ele era bem "velhinho" para se cuidar, e com certeza, encontrou uma namorada gatíssima bem ao gosto dele e ficou por ai.
O primeiro dia terminou com muita gente na praia se despedindo do sol que havia sido bem generoso.
Amanheceu o segundo dia e enquanto me preparava para trabalhar ouvi a chave virar na porta e fui ver; imagine se não era a pessoa?!
Pois é, nem eu acreditava no que via; diante de mim estava uma criatura esgadelhada, com cheiro indecifrável, com restos de confete grudados por toda parte, vestindo uma roupa que já foi branca, totalmente encardida de areia e manchada de várias cores e substâncias que nem era bom investigar, calçando um pé de "havaiana" de marca desconhecida e que com certeza não saiu aqui de casa, barbado, com olheiras abaixo do queixo, que entrou carregando uma mochila velha que com certeza, também não saiu aqui de casa, que se arrastou até o sofá desmaiando literalmente.
- Mas o que significa isso, Otávio dedeus?!
Perguntei aos gritos o que o fez cobrir as orelhas escondendo os ouvidos enquanto me mandava falar baixo.
- Como é que você sai daqui dia 31 e só volta hoje desse jeito? Por onde andou até agora?
Eu não conseguia parar de fazer perguntas diante daquele trapo de pessoa...
Foi ai que com muito sacrifício, sentou-se e começou a falar lentamente com a voz ainda arrastada:
- Eu quis fazer tudo o que ensinam para fazer na virada do ano, para dar sorte, trazer prosperidade, o amor, a saúde, a alegria, enfim, dai que me vesti de camiseta branca com a palavra PAZ em brilhos de ouro para atrair riqueza, bermuda branca,  cueca vermelha, com detalhes amarelo e azul, e chinelo prateado. Até ai tudo bem, mais começou a parte  das coisas de comer: comi um detestável prato de lentilha, 7 sementes de romã, 7 bagos de uvas verdes enquanto dava 7 pulos pra trás para abandonar as energias ruins e depois 7 pra frente para me envolver nas boas, comi carne de porco que fuça para frente, seja lá o que isso queira dizer, com farofa de dendê que me deu uma dor de barriga louca. Comi bacalhau por  que me garantiram ser muito bom para atrair dinheiro, já que é peixe e o "Cem Real" é um peixe, acho que é uma Garoupa, mas isso não importa agora. Também guardei três folhas de louro na carteira que perdi em algum lugar, quando consegui me levantar depois de comer tudo aquilo com champanhe, cidra e guaraná Jesus, para garantir um bom emprego bem remunerado, eu fui pular as sete ondas, foi quando Iemanjá "arrenegou-se" com alguém ou com aquilo tudo e me jogou um daqueles barcos cheios de presentes nas ventas o que me fez cair no mar e quase me afogar. Custei a ser atendido naquele alvoroço, pois achavam que eu estava "recebendo" alguma entidade e eu me batendo entres as marolas e bebendo litros de água, quase me afogando literalmente. Com a cara ensanguentada me levantei dali tonto de tudo e fui para a areia. Algum abençoado que me viu sangrando, me levou ao posto de atendimento e  só acordei agora de manhã...

Feliz Ano Novo!
Foi só o que pude falar enquanto ele se dirigia para o chuveiro...