quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Cacholeta-Panacéia-Fenomenal

Mais um contículo de três palavras retiradas aleatoriamente do dicionário.
cacholeta-panacéia-fenomenal
Na correria de comprar presentes para o Natal que se aproxima, Lena Rita acelerou os compromissos para deixar um tempo livre nem que fosse depois das seis horas, mesmo que tivesse que dormir somente algumas horas pois trabalhava de sol a sol e de casa em casa durante toda a semana e quando chegava na sua casa havia a dupla jornada a esperá-la: limpar a casa, lavar a roupa e deixar almoço pronto para o dia seguinte. Daí que Lena Rita não podia se dar ao luxo de perder tempo, mas como era a última semana para o Natal era preciso encaixar mais esse dever. Havia o amigo-secreto da comunidade e das mulheres/irmãs da igreja. Nem tinha idéia do que comprar e só pensava no calor e na multidão que a aguardavam no comércio, naquele formigueiro de gente que assim como ela, tinha que arrumar tempo para isso.
E lá foi ela de cabelo lavado e toda perfumada, após o banho autorizado pela dona Libânia, uma de suas patroas, para não ir para as lojas suada como uma égua de carroça.
Pelo caminho fazia as contas de quanto gastar, não podia ser muito, o dinheiro era curto e suado literalmente, sem falar que em janeiro tinha que pagar o IPTU e o material escolar do filho sem falar que iria aproveitar para trocar o sofá todo rasgado na grande liquidação de balanço das lojas que acontece na primeira semana de janeiro. Sorriu ao imaginar a pequena sala com um sofá novinho em folha e até fechou os olhos de emoção. Pouco a pouco ia comprando o que precisava para arrumar a pequena casinha de três cômodos no alto do morro com o que ganhava como faxineira.
Quando chegou na rua principal onde o comercio informal se misturava com as lojas de quinquilharias brilhantes, musicais e até falantes, respirou fundo, meteu a pequena bolsa de alça à tiracolo bem debaixo do braço, já suado e escorrendo, e entrou numa loja de bijuterias e presentinhos. Por um momento pensou que iria desmaiar tal a aglomeração, o sufoco e o calor insuportável. Olhava para todo lado e não conseguia ver nada que chamasse a sua atenção naquela profusão de informação visual. De repente um apito ensurdecedor saiu pelos ouvidos vindo do cérebro, rapidamente o som foi sumindo, sumindo e apagou literalmente. Acordou com uma cacholeta bem dada no tampo da cabeça que quase desmaiou outra vez. Com os ouvidos zumbindo uma música natalina, que na verdade não distinguia se ela vinha de dentro da sua cabeça ou se era algum daqueles brinquedos à pilhas, infernais, levantou –se sem se desgrudar da bolsa e saiu dali para fora carregada pelos seguranças da loja, que a última coisa que queriam ali era uma mulher desmaiada desviando as outras do fascínio das compras. Cambaleante voltou para o meio da rua observando que para qualquer lado que olhasse, o cenário era o mesmo, até perdeu a localização, não sabia se estava indo para lá ou para cá, grudou mais um pouco ao corpo, a bolsa com o dinheiro que ganhou naquele dia e pensou nos dois presentinhos do amigo-secreto, da igreja e das amigas da comunidade. O presente do filho já tinha comprado e dado, era um computador muito lindo para ele estudar. Comprou para pagar em 24 vezes. 
Um vaso brilhante, furta-cor, com uma bíblia e os dizeres do salmo 123 em relevo lhe chamou a atenção por um momento, muito lindo, mas muito caro, se pudesse comprava para ela mesma colocar ao lado do sofá novo que compraria em janeiro. Por um momento sonhou com os seus cuidados com a casa e até viu umas flores de seda dentro dele; enquanto divagava naquele mar de gente indo e vindo apressada, levou um empurrão fenomenal que a fez voltar para a realidade, antes de estatelar de novo no chão sujo. Porém dessa vez ficou esperta e levantou-se na mesma velocidade que caiu. E naquele mesmo momento enquanto levantava decidiu comprar uma toalha de mesa que viu pendurada a sua frente decorada de rosas vermelhas. Só faltava mais um presente. -Ai meu Jesus!- Pensou ela;- para que inventaram esse tal de amigo-secreto?- Mais alguns passos à frente escolheu uma capa de botijão de gás de xadrez azul, combinado com a do liquidificador, tudo bordado á máquina. Pronto! Até que enfim consegui resolver tudo, pensava enquanto o joelho ralado e sangrando ardia de dor.
Ao chegar em casa encontrou a vizinha do lado, sentada na porta tomando a fresca da noite, sim porque ja era noite quando chegou lá em cima do morro, trocaram umas idéias e ela entrou para continuar a segunda jornada, não sem antes lavar os joelhos e colocar um pouco de álcool com ervas variadas que serviam para tudo; uma panacéia de curandeiros que aprendeu com a avó e não ficava sem o preparado em casa para as eventualidades, no dia seguinte estaria curada de tudo, com certeza; para começar um novo dia de rotina enquanto aguardava o dia de Natal.

2 comentários:

  1. Clô, mas isso não é contículo; já dá para dizer que é o primeiro capítulo de um romance!

    Mas fiquei mesmo foi com água na boca para ganhar o "Um vaso brilhante, furta-cor, com uma bíblia e os dizeres do salmo 123 em relevo". Ai, me dá, vai?

    Beijoquículas :)

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