Amanheceu chovendo; como se isso, por essas bandas
fosse novidade.
Algumas coisas nesta vida deveras me desestabilizam; a
falta do sol, dias de chuva e as surpresas do Otávio.
E por falar nele, me dei conta do seu sumiço e imediatamente
liguei o meu sensor que ficou piscando insistentemente em amarelo de alerta.
Logo pensei; alguma arte ele está aprontando, muito
silêncio ao nosso redor nos avisa que ai vem “côsa”, fora que faz alguns dias
que ele anda sumido. Sai ao amanhecer e só volta à noite, exausto, e nem quer
conversa, não está para ninguém, se recolhe aos lençóis em
silêncio e dorme até o despertador tocar no outro dia. E por falar no maldito
despertador, agora ele colocou o som de uma buzina de navio zarpando para acordá-lo.
Daí ele se levanta, come rapidamente o desjejum sabor
salmão e sai sem me dizer o que vai fazer.
Só que hoje, ao final da tarde, enquanto eu lia meu
livro calmamente, ele me apareceu todo ofegante, com os olhos maiores e
mais amarelos do que nunca, assustadíssimo, correu para o quarto e se meteu
debaixo das cobertas como de costume.
Dei um tempo e aguardei em silêncio me preparando
psicologicamente para o que viria até que ressabiado ele voltou do quarto, deu
umas voltas pela sala e se acomodou ao meu lado, já bem mais calmo.
Aguardei que me contasse o acontecido do dia, e o que
segue é o que ouvi de sua própria boca:
Eu
fiz um curso de salva mar, ou guarda-vidas, como queira, para trabalhar na
praia, na temporada de verão; e a semana toda tivemos treinamento teórico e
prático. Chegamos até a fazer salvamentos de verdade porque as pessoas vão para
o mar como vão para a piscina ou para as banheiras de casa, sem cuidado nenhum
e o pior é que nem sempre voltam para casa. Bem isso não é mais novidade para
ninguém, muitos morrem no verão por imprudência. A novidade é que fomos para
uma praia deserta, depois de uma trilha bem difícil, para treinamento de
resgate em circunstâncias complicadas. Eu já havia participado de duas
simulações ali e resolvi explorar um pouco mais o local me afastando na direção
de um conjunto de pedras de vários tamanhos. Quando fui chegando comecei a
ouvir sons, alguns melodiosos como cantos e risadas, conversas, coisas assim e
fui me aproximando cada vez mais e o som se afastando e eu fui ficando curioso
e continuei procurando pelas pessoas que não apareciam nunca. Quando me dei
conta estava do outro lado da praia e havia me afastado muito dos colegas do
treinamento então resolvi voltar, foi quando me deparei com duas sereias de carne,
osso e escamas bem ali na minha frente, rindo e cantando para mim. Na verdade rindo
do meu espanto. Desmaiei na hora e só me acordei no helicóptero de resgate a
caminho do hospital onde fui diagnosticado como insolação. Ninguém acreditou em
mim, sniff, sniff, sniff...
- Sereia... Sei... Hãhã...
Insolação é um perigo.
Otávio, o guarda 7 vidas! Grandes abraços, Clotilde.
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