domingo, 14 de outubro de 2012

Tem que ser firme na linha!

                                                               Tem que ser firme na linha!
Seu Thagner era um homem sistemático, desconfiado e muito, mas, muito teimoso. Tudo o que ele cismava fazer ou saber não tinha não no caminho, ele ia em frente e descobria como e o que era. Também era falador e metido. Na realidade um “mala”.
Duas vezes por semana ele saia do seu humilde sitio e ia até a cidade levar os queijos e salames para a freguesia. Normalmente levava algumas dúzias de ovos para a dona Oliviana, pessoa que levava e trazia as notícias do lugar, assim, seu Thagner passava primeiro na casa de dona Oliviana para se inteirar dos acontecimentos e só depois ia para o centro, propriamente dito. Ia até o armazém para comercializar os seus víveres, que ficava na única rua que atravessava o povoado e passava bem na frente das duas igrejas do lugar.
As pessoas do pequeno povoado por falta do que fazer ou por ter muita fé iam um dia no culto outro na missa, até para não desagradar aos conterrâneos líder religiosos. Assim agradavam a Deus e aos seus representantes, conseguindo viver em harmonia.
Tirando um diz-que-me-disse ou outro todos viviam e conviviam em harmonia.
Naquele dia logo ficou sabendo quando chegou o ônibus da quinta feira que aquele seria um dia diferente. É preciso que se explique que ali passavam dois ônibus; um na quinta e outro na segunda feira, só de ida, para voltar teriam que ir com o ônibus fazer o caminho dele e voltar na viagem seguinte.
Como ia dizendo, bem no dia que seu Thagner chegou à cidade, vindo do sitio desceu do ônibus carregando uma pasta quadrada e uma pequena maleta um homem de paletó xadrez. Um estranho que logo que chegou foi rodeado indiscretamente pela curiosidade dos moradores desacostumados a visitas de estranhos.
Seu Thagner apressou-se a se apresentar e perguntar a que vinha tão ilustre pessoa aquele paraíso na terra. O estranho achando graça da inusitada recepção prontamente estendeu a mão para o cumprimento.
- Reginauro ao seu dispor, ex-vereador e assessor para transações de importância visceral, pronto a lhe servir...
Falou o estrangeiro cheio de mesura para seu Thagner que imediatamente não gostou da criatura mas não perdeu o rebolado e deduziu rapidamente que o homem parecia mais ladino do que ele próprio que nunca se elegeu vereador e nem tinha ideia o que faz um assessor, e olha que ele tentava todas as eleições e até havia prometido distribuir queijos no Natal para todos, porém Seu Ermano Justiniano sempre ganhava, pois tinha um filho que era "doutor" numa cidade grande que em todas as eleições vinha ajudar o pai no pleito. Havia um sonho de família de que seu Ermano Justiniano chegaria um dia a governador, quiçá Presidente da República, mas por enquanto não saia da vereança.
_ ???Pois é o que eu sempre digo senhor assessor, tem que ser firme na linha!
Respondeu com firmeza e porte ereto, quase como um militar o seu Thagner, homem também metido a valente, pelo menos não rejeitava briga.
Em seguida o forasteiro sorriu e perguntou onde ele poderia se hospedar naquele recanto tão aprazível?
Cada vez mais o seu Thagner gostava menos do homem de paletó Xadrez.
- Dona Vera tem um quarto que ela aluga quando aparece alguém para alugar.
Respondeu o seu Thagner já um tanto amuado. -Onde já se viu um estranho vir aqui para tirar o sossego da gente? - Pensou. Mas refazendo-se um pouco perguntou;
- Posso saber o que o senhor  ex-vereador e assessor para não sei o que mais, veio fazer aqui?
- Sim, estarei ao anoitecer diante da igreja para falar o que vim fazer neste recanto dos deuses. Onde fica a Igreja da cidade?
- Fica uma diante da outra.
- Uma diante da outra? São duas igrejas?
- Sim.
E nada mais disseram. Saíram caminhando pela única rua da cidade, pois taxi lá também não tinha.
- É aqui a casa da dona Vera que aluga um quarto para quem quiser alugar um quarto. –Falou
enquanto batia com o nó do dedo médio fechado, na porta marrom.-
Não levou dois minutos apareceu enxugando as mãos no avental, a dona Vera.
- Bom dia senhora Vera, a senhora teria um quarto para me alugar?
- Sim senhor, tenho um quarto para alugar para quem quiser um quarto para alugar.
- Então ficarei aqui hospedado na sua tão agradável residência.
Seu Thagner não aguentando tanta puxação de saco virou e sem se despedir rumou para o armazém do seu Ermano Justiniano, sim aquele eterno vereador da cidade, para comercializar seus queijos.
- Olá Thagner, me disseram que você anda passeando pela cidade com um ex-vereador que chegou à cidade no ônibus?!
- Eu não ando passeando com ninguém, eu só o levei até a casa da dona Vera para ele alugar o quarto.
Falou com visível mau-humor.
- Hã.
Após um silêncio mutuo o seu Ermano comentou; 
- O que será que esse forasteiro quer aqui?
- Sei lá, ele só vai falar à noite na frente das Igrejas...
- Hum, boa coisa não é, o que você acha?
- Sei não, vamos esperar, eu já vou indo que por conta disso tudo já me atrasei.
Logo ao anoitecer a cidade inteira se reuniu diante das igrejas para ouvir o forasteiro. Enquanto ele não chegava alguns já faziam apostas. Se ele ficasse na frente da igreja Católica ele era Católico, se ele ficasse na frente da igreja Evangélica, era Evangélico, e o dinheiro já corria solto quando ele apareceu bem no meio da estrada entre as duas igrejas mostrando assim que não era nem de uma e nem de outra, ou mostrou a esperteza em não ficar de lado nenhum.
Abriu a maleta ali  mesmo sobre um banquinho dobrável e começou a falar diante de todos. 
Usando um palavreado cheio de firulas retirou da maleta um vidro marrom e começou a falar dos benefícios daquela descoberta científica maravilhosa que fazia bem para o fígado, para dor de cabeça e para fortalecer os homens nas suas alegrias e...
Na segunda feira, subiu no ônibus o forasteiro todo sorridente, não sem antes abanar para a comitiva que o levou ao “bota-fora” fazendo toda aquela encenação de candidato político.

2 comentários:

  1. Esse tipo é muito comum nas vilas e povoados do interior. São realmente uns "malas". Meu abraço.

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  2. Excelente essa história do "mascate vereador", Clotilde. Alguns trechos são de humor impagável, como "um quarto para alugar para quem quiser alugar um quarto" e "assessor para transações de importância visceral". Ótimos achados. Parabéns!

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