quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Uma tarde sem remédio

                                                   Uma tarde sem remédio...
Logo à entrada do salão um enorme totem listava em ordem alfabética as doenças “básicas”, aquelas que quase todos conhecem e estão na boca do povo. Quem quisesse se aprofundar nos sintomas e detalhes além da medicação adequada era só procurar no site da associação, disponível em vários computadores espalhados pela sala.

Acne, Adenite, Afonia, Afta, Albuminúria, Alcoolismo, Amenorréia, Amigdalite, Anasaraca, Anemia, Angina, Antraz, Apendicite, Apoplexia, Ardor de Urina, Arteriosclerose, Artrite, Asma, Blenorragia, Boubas, Bronquite, Cobreiro, Cólicas, Dentição, Diabetes, Diarréia, Disenteria, Eczema, Epilepsia, Erisipela, Escarlatina, Escorbuto, Estômago, Gota, Hemorragia, Hemorróidas, Icterícia, Impotência, Influenza, Insônia, Leucorréia, Menopausa, Nefrite, Nevralgia, Obesidade, Opilação, Resfriado, Pesadelos, Sarampo, Tinha, Tosse, Urticaria, Verrugas.

O que provocou em Demétrio um ataque de pelanca, já que ele deixara por escrito que estavam faltando doenças interessantíssimas que mereciam destaque como se formassem um buquê de flores à entrada. Andou de um lado para outro no salão entulhado de pessoas que jamais se denominariam de hipocondríacos, não! Eles eram apenas apreciadores de remédios, colecionadores de bulas e de caixinhas escolhidas pelo laboratório ou doença de sua simpatia. Inclusive havia um escambo de bulas e caixas para todo lado. As caixinhas e bulas eram abertos e colocados em pastas enormes que mais pareciam livros de registros e cartório. Demétrio parou e se encostou à parede para tomar um fôlego e entrar na fila para medir a pressão e avaliar a glicemia. O suor lhe escorria pelo pescoço e pelas costas enquanto seu pensamento entrava em pânico ao se lembrar de algumas doenças cujos sintomas batiam com os que ele estava sentindo agora. Batimentos cardíacos altíssimos e suores abundantes além da progressiva falta de ar. Sua pele empalideceu enquanto petéquias apareciam discretamente, pelo menos era o que ele via e identificava. Estava quase apoplexo. Respirou fundo, fechou os olhos e procurou se acalmar, devolvendo um sorriso pálido para o seu amigo que se aproximou também entrando na fila e pouco se importou com o estado dele. Pouco a pouco Demétrio voltou ao normal e até se distraiu comparando as bulas do amigo com as dele. Pouco depois de passar pela avaliação dos sinais vitais como era de praxe antes da sessão, tomou um pouco de água filtrada três vezes, e trocou uma bula de remédio para Beribéri por duas de remédio para esquizofrenia e esquistossomose. E considerou que fez um ótimo negócio.
Mais um pouco e um apito em três volumes avisava que a sessão estava tendo início. Logo que a sessão começou alguns retardatários, eufóricos e suarentos, se acotovelavam para tomar seus lugares e deixar para depois as trocas.
Aquelas pessoas visivelmente ansiosas não perdiam um só dia de reunião para se atualizar com o que há de mais moderno na ciência médica. Eles pertenciam ao Remédio Clube do Brasil, assim como tantas outras agremiações espalhadas por ai e reuniam-se todas as semanas; hoje era um dia desses.

Um homem de jaleco branco trazendo bordados uma cruz vermelha no peito e outra no braço, carregando um vistoso estetoscópio no pescoço, foi quem abriu os trabalhos da tarde...

2 comentários:

  1. Aahahahaha... ótimo!!!

    Dica amiga: deixe uma linha em branco entre os parágrafos, facilita bastante a leitura :)

    Não convém forçar o zoinho depois de certa idade.....ehehehehehe

    Beijocas :)

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