Com que roupa?
Há dias que Otávio
passa horas cabisbaixo, pensativo, distraído mesmo.
Dai que hoje lhe perguntei o motivo, cheguei a pensar em
paixão, mas não, depois de relutar em não me dar qualquer satisfação, como é do
seu costume, ele me disse que os dias estão passando correndo e ele ainda não
se definiu qual fantasia usar neste Carnaval. Foi convidado com deferência
pelas agremiações para comparecer aos desfiles como destaque e não sabia o que
vestir.
Realmente ele estava numa sinuca de bico, seja lá o que isso
queira dizer, acho interessante a frase e a comparação. Dai naquele meu jeito
delicado de ser sugeri: "por que não vai de Pierrô ou Arlequim"? E
ele fuzilando me respondeu sem paciência: "muito criativa você!" e eu
continuei então: "Colombina"? Bem não vou repetir o palavrão para não
tirar a nobreza da pessoa.
- Mas o que tem de mal, essas fantasias clássicas da folia,
não entendo?!
- Acontece que eu preciso de uma fantasia impactante, que
seja algo que cause entende?
- Que cause... sei...
E me botei a pensar com meus três neurônios e posso garantir
que nenhum deles é folião. Chegou a me dar sono de tanto imaginar roupas
diferentes cheias de cores, penas e brilhos e possibilidades mais rústicas.
- Quem sabe uma fantasia de rato?
- Rato, enlouqueceu é?! Imagine um gato totalmente
"engolido" por um rato, que coisa mais patética!
- É que pensei no impacto que iria causar...
- Sim, derrocada explícita e assumida da minha raça, se
desde que o mundo é mundo os Gatos são superiores em estratégias aos ratos, dai
eu sou literalmente engolido por um e vou sair pulando de alegria, que
insanidade, bem se diz que quem não gosta de samba bom sujeito não é, é ruim da
cabeça (o teu caso) ou doente do pé (também).
- Pois é, mas não gosto de te ver assim triste e queria
ajudar...
- "Mais ajuda quem não atrapalha"... ditado
perfeito para a sua pessoa.
Fui para o meu quarto chateada e acabei ficando contagiada
pelo o baixo astral dele, querendo ter uma grande idéia para alegrá-lo, afinal
é carnaval!
Mil figuras fantasiadas me passaram na mente como um desfile
de carnavais passados. Resolvi ver no
Google alguma coisa, mesmo que discreta e fácil de confeccionar à toque de
caixa como era o caso, mas todas eram muito trabalhadas e estranhas a partir
dos títulos à elas atribuídos: "Ave
do Paraíso Apaixonada e seu coração de
cristal azul", "Galo da montanha do Himalaia transmigrado para o Sertão
Brasileiro", " O Faraó que roubou o brilho das estrelas mortas"...
e por ai continuava o séquito de estranhas figuras com seus títulos bizarros
parecendo de teses a serem defendidas diante de Bancas, mesmo reconhecendo que
no seu trabalhado eram belíssimas.
Resolvi fazer um café para raciocinar um pouco. Enquanto o
café escorria na cafeteira pensei que ele poderia ir vestido de Grão de café e
fui correndo dar-lhe a boa notícia. Era uma fantasia razoavelmente fácil de fazer,
se tivéssemos material para a execução, claro, tipo espuma em metro na cor
marrom escuro, que mais se aproximasse daquela semente, mas não temos nada
desse tipo em casa, talvez um carretel preto e um branco de linha e duas
agulhas para uma emergência, um botão caído, um rasgo e é só...
Toda animada fui falar para ele o que eu pensava ser uma
brilhante idéia. Nem me deixou acabar de explicar com detalhes e já me fuzilou,
mais uma vez com seus olhos amarelos, daí tive a grande idéia, ou pelo menos me
pareceu ser naquela hora.
- Vista-se de febre amarela! Está na moda, só se fala nela
e seus olhos que já são amarelos vão
sobressair, seu pelo é grande e escuro daí para imitar um macaco é um pulo
hahahah...
Não resisti a gargalhada final e quase levei na cara com a almofada
que veio voando na minha direção.
Voltei correndo para a cozinha enquanto ele batia com a
porta dos seus aposentos duas vezes deixando um bilhete do lado de fora
avisando que não estaria para ninguém, nem se o Rei Momo e suas princesas
viessem em pessoa buscá-lo para as folias momescas, e que só o acordasse na quarta feira de
cinzas depois do meio dia, e mais não disse.
Vai um cafezinho aí?
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