Santo Bolo
No dia 13 de junho ia eu pela rua distraída em meus
pensamentos insanos quando reparei num entra e sai animado da Igreja de Santo
Antônio.
Curiosa e por não ter nada mais interessante a fazer por
aquelas horas frescas de outono, resolvi entrar para ver o que acontecia, foi
ai que me dei conta de que era o dia dele, do Santo padroeiro dos solitários, aqueles
que não suportam a solidão ansiosos por alguém que troque e divida afetos íntimos,
ou não, mas que tome o café juntos pela manhã discorra narrativas de filmes e
livros durante a tarde, comentem as notícias do dia e lhe dê um beijo de boa
noite, alem dos que anseiam simplesmente por um "cobertor de orelha"
para os dias frios, o que não querem é ficar sozinhos, eles ou elas.
Como dizia, levada pela curiosidade entrei junto de duas senhoras
que trocavam cochichos e risadinhas discretas à minha frente quando fui parada
logo à poucos passos da entrada por um gentil cavalheiro com um prato plástico
à minha frente onde uma fatia de bolo com cobertura branca que mais parecia de
casamento, repousava ao lado de um também garfo plástico transparente. Insistiu
em me estender o pratinho me dizendo que se eu encontrasse o Santinho no meu
pedaço de bolo nos casaríamos antes do Natal naquele ano ainda. Detalhe: eu já
tinha ouvido falar que o tal santinho de metal que colocavam dentro do bolo
(mais de mil em algumas Igrejas) já havia causado pelos mais afoitos que o mastigavam
sem nenhum cuidado e o engoliram, muitas contrariedades e até boletins de
ocorrência querendo processar o Santo, por dentes quebrados e cirurgias de
desobstrução das vias digestivas ou respiratórias. Assim, temerosa de algum
contratempo, pois já havia me arrependido de ter me deixado levar pela
curiosidade e entrado, tentava desviar do insistente homem que com determinação
me estendia o pedaço de bolo. Fui
desviando das pessoas e tentando fugir da criatura e até que fui me
encaminhando para um canto num vão de uma coluna com ele persistente ao meu
lado.
O burburinho continuava ao nosso redor com a distribuição do
bolo, dos pãezinhos bentos, além de santinhos de papel com orações escritas
atrás.
Quando voltei a olhar para o meu interlocutor que permanecia
carregando nas mãos o pedaço de bolo e repetiu a frase que casaríamos até o
final do ano caso eu encontrasse no bolo o santinho e ainda acrescentou: se
você encontrar a aliança caso em menos tempo ainda. Assustada tentei recuar
para trás esquecida de que a Igreja estava cada vez mais lotada de gente.
Olhei para o enorme Santo Antônio que ficava no Centro da
nave e eu juro que ele piscou para mim.
Continuei tirando meu rosto da direção do bolo até que me
ocorreu perguntar se aquela era uma nova modalidade de arrumar namoro e ele me
respondeu que "não tínhamos tempo mais para rapapés de antigamente como
namorar, noivar de aliança e casar". Me chamou
de velha, o desgraçado, e o pior é que nem liguei porque era verdade, mas ele
era do mesmo século que eu com certeza!
Porém olhando um pouco melhor até que ele era muito charmoso
e apessoado, mas por que eu?
E o garfo com um pedaço de bolo maior que ele se equilibrava
na direção da minha boca novamente. Olhei de novo para o Santo lá em cima e ele
piscou de novo, cheguei a acreditar que era um mecanismo consolador de
esperançosas pessoas solteiras a fim de alguém, o que não era o meu caso, não
naquele momento e nem naquelas circunstâncias.
Finalmente quando abri a boca para dizer um taxativo "não,
não quero bolo!" Já era tarde, ele me enfiou goela a baixo sem mesmo fazer
"aviãozinho" o maldito pedaço do bolo.
Mastiguei com o maior cuidado pensando nos meus poucos e bem
cuidados dentes verdadeiros e felizmente nada tinha naquele pedaço. Oh, gloria!
Realmente decepcionado ele queria que eu comesse o outro
pedaço que sobrou no pratinho, mas rapidamente confiando no Santo que piscava
eu lhe disse que ele mesmo comesse e que se tivesse um santinho ou aliança eu
casaria com ele até o final do ano.
Me dei conta que a louca do bolo era eu!!!
Na hora ele ficou todo animado e enfiou tudo na boca de uma só
vez e mastigou com fé e louvor a doçura como se fosse um pedaço de picanha "ao
ponto". Quando ele parou estremeci por um momento e olhei para o Santo que
piscou de novo e jurei que iria investigar aquilo no dia seguinte, mas olhando
a decepção do homem vi que não havia nada no pedaço de bolo, ou ele engoliu na
agonia e ansiedade... Pois e agora, como saber?
Sai dali me esquivando dos que entravam animados imaginando
que o cara tenha ido pegar outro bolo para tentar de novo com uma próxima
desavisada.
Enquanto saia olhei de novo o Santo que continuava piscando(?)
Pisquei pra ele, é claro!
Cada uma...
Kkkk, adorei essa "viagem". Até que é uma idéia aos desesperados, né?
ResponderExcluirUm flerte com Santo Antônio... só você mesmo, Clotilde! Abraços.
ResponderExcluirUm flerte com Santo Antônio... só você mesmo, Clotilde! Abraços.
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