Tempos Reciclados e Tecnologias
Fui até os fundos e peguei a cesta, voltei para a cozinha e
escolhi da fruteira sobre a mesa, algumas frutas. No armário peguei bebida láctea
de tamanho pequeno, mais um pacote de bolachas e outro de pipoca de Micro-ondas.
Sai dali logo após colocar o GPS entre as frutas dentro da
cesta e em seguida cobri tudo com um guardanapo xadrez e a deixei sobre o sofá
perto da porta de saída.
Enquanto vestia minha
capa vermelha me olhei no espelho para ajeitar o gorro que encobria parte os
meus cabelos. Só então sai para a rua e caminhei
na direção do metrô.
Quase chegando à esquina a voz da máquina começou a me dar
direções diversas e contrárias e aquilo foi me irritando e a maldita parecia
ler meu cérebro, por que dizia frases sem noção e passou a repetir sem parar;
“Entre à direita.” “Vire
à esquerda”. “Siga em frente!”
Havia pensado antes de me preparar para sair, dos antigos
métodos de ir deixando pedrinhas pelo caminho ou pedacinhos de pão para encontrar
o caminho da volta, porém me lembrei de que nem sempre funcionou nos contos de
fadas e uma parte do caminho terei de ir de Metrô, pois preciso atravessar toda
a cidade e chegar à casa da Vovozinha antes do por do sol e da novela das seis,
porque pretendo assistir ao seu lado o capitulo de hoje comendo sequilhos de
araruta que ela faz maravilhosamente bem e tomando limonada colhida no quintal.
Durante o trajeto fui ouvindo a voz do GPS que parece saída de
dentro de uma lata de biscoitos quadrada e funda e que usa palavras que não
conheço ou não é do meu vocabulário:
“...estamos chegando na rotunda, contorne a rotunda, entre à
esquerda depois da rotunda... ”.
Aquela “fala” me irritava por demais e continuei cada vez
mais apressada com aquela irradiação louca ao meu lado, no meu ouvido.
Ao caminhar na direção do Metrô percebi muitas outras
pessoas estava portando também um GPS no bolso, nas bolsas e nas sacolas, o
mesmo tipo de GPS que falava com a mesma voz esquisita.
E como uma situação surreal dentro do vagão do metrô, uma “conversa
paralela” entre os GPS se estabeleceu e enquanto entre os homens as máquinas
trocavam informações políticas e financeiras, outras trocavam receitas e
fofocas da televisão criando “vida inteligente”. Acho que os GPS daquele dia
captaram as conversas dos celulares. E assim a viagem transcorreu rapidamente,
parecendo um mercado para surpresa de uns e apreensão de outros.
Ao descer na plataforma que me levaria à casa da minha
avozinha a voz logo gritou:
“Suba as escadas!”
Como se houvesse outra opção!
Naquela hora
enlouqueci e fiquei tentada a jogar fora a “maquininha” maluca e falante nos
trilhos e a deixar para que o vagão passasse por cima fazendo calar a voz de
lata. Mas o trem passou e ela misteriosamente não foi atingida e continuou falando
sozinha e avisando que saí da rota programada em casa.
Finalmente cheguei à rua, no meio da multidão apressada,
fechando quase totalmente os olhos pela claridade que ainda inundava o final de
tarde. Atravessei a avenida na faixa de pedestres chegando perto da “rotunda” a
voz maluca começou a gritar; “depois da rotunda entre à direita há 200 metros.”
Era outra pessoa que carregava uma máquina igual a minha e
que fazia a mesma coisa, estava “possuída” pela interferência das conversas dos
celulares.
Me indignei com ela e
gritei:
- Para de querer mandar em mim, máquina louca, não pode só
apontar o dedo em vez de falar? Eu vou se eu quiser, entro à direita se eu quiser!
Ninguém manda em mim, muito menos uma máquina tola, maluca que nem sabe falar
direito.
A pessoa me olhou espantada pensando que eu iria bater nela,
que eu havia surtado e andou mais depressa, fui atrás e me desculpei falando que havia acabado de jogar a minha
máquina de GPS nos trilhos do Metrô e a desgraçada nem assim foi destruída e
nem parou de falar.
Caminhei alguns passos ainda ao lado da pessoa que logo
avistou uma caçamba de lixo e jogou-a dentro, enquanto ela ainda falava e repetia aquelas
frases de sempre, acho que deu pane, não parava de falar; “ entre a direita,
siga até o final da rua....”
Quando voltei da casa de minha avozinha já haviam levado a
caçamba com tudo o que havia dentro.
Agora a máquina maldita deve estar falando sozinha em algum
lugar e vai falar muito até acabar a bateria, imagine se encontra a minha?! As duas vão enlouquecer.
Quanto ao roteiro de ida e volta na casa da minha avó,
pretendo comprar uma bussola e um astrolábio e vou me guiar pelas estrelas
mesmo, pelo menos eles são aparelhos mudos...
Hahahahah... engraçado! Gostei dos GPS sofrendo interferência dos celulares...rsrsr
ResponderExcluirMuito criativa essa releitura do Chapeuzinho, Clotilde! Parabéns e um grande abraço.
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