segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O Retrato

Foto meramente ilustrativa retirada da Internet

                                                              O Retrato
O casal de idosos desistiu de sair porque estava chovendo muito, senão já estariam andando por ai como sempre faziam.
Daí que Reinilda, a senhorinha, resolveu arrumar alguma coisa para fazer e foi procurar lá no quartinho dos fundos. Depois de revirar aqui e ali pegou uma caixa de madeira tão antiga que até parecia ter vindo na caravela de Cabral. Gritou para o marido que estava na sala com a televisão desligada, pois eles tinham medo que caísse algum raio por ela estar ligada com aquela chuvarada. Por isso que não sobrava muito que fazer depois que acordavam do cochilo da tarde se não tinham a televisão para assistir. A televisão em casa estava sempre ligada.
- Nicanor, ô Nicanor! Vem aqui me ajudar, a caixa está muito pesada.
- Que caixa “Reizinha”? -(era como a chamava).
- A caixa de fotografias, vamos ver, já faz tempo que não olho as fotos...
Lentamente seu Nicanor se levantou e se dirigiu para os fundos para ajudar na tarefa difícil de carregar a caixa de madeira pesada.
- Pronto, aqui está, vamos olhar as fotos.
- Olha só a Aninha no primeiro dia de aula de uniforme, lembra disso Nicanor? O seu Nilo fotógrafo foi quem bateu quando ela passou lá na frente da loja. Olha aqui a foto do seu afilhado Philomeno, tadinho, morreu tão jovem...
- Ele foi Pracinha da FEB...
-Olha só a foto do casamento da Tia Branda, ela parece mais um fantasma do que uma noiva...
-Também se a gente está velho imagine Tia Branda, já seria bicentenária... nessas fotos antigas todo mundo é feio pra caramba, mas era muito feia mesmo essa sua tia, viu? nem sei como arrumou marido...
- Feios são seus parentes!!!
-Hahahaha...
Dali a pouco os dois riam e se divertiam de olhar as fotos mais antigas do que eles e iam relembrando de casos que eles passaram ou tiveram notícia, de como por exemplo, uma foto de família que eles estavam olhando, que ao contrario dos costumes da época, quando o comum eram todos pousarem bem sérios e arrumados perfilados em tamanho e idade, naquela foto todos estavam assustados e desarrumados nas suas posições. Um verdadeiro “instantâneo” como se dizia. Daí Reizinha se lembrou o que ouve naquele dia em que a foto foi tirada, mas antes precisou contar que a prima Valda, era muito cheia de não me toques e não muito certa da cachola. Volta e meia, se alguém se alterasse um pouco com ela ou fosse contrariada, ela desmaiava, ai era uma correria, iam pegar os sais e daí levava um tempo para ela voltar.
Então assim que contrataram o fotógrafo que veio em casa para tirar algumas poses da família inteira reunida para guardarem uma lembrança. queriam uma foto de família para a posteridade, um lindo momento. Então todos foram avisando insistentemente à tia Valda que a máquina de fotografar era um modelo que o fotógrafo colocava fogo num material e causava uma pequena explosão, mas era assim mesmo, uma coisa simples, nada para ela se assustar.
 Pois cansaram de avisar Tia Valda que “a coisa” em determinado momento iria fazer barulho e fumaça e que ela se mantivesse fazendo a pose; pois não deu outra: quando o negócio estourou ela caiu para trás dura e tesa por aproximadamente uma duas horas e não houve sais que a acordasse.
Riram muito relembrando essa história, até que de repente o Nicanor olhou uma foto de um homem em pose  de artista e dedicatória; “Para Reinilda, com todo o meu afeto”, uma assinatura cheia de volteios que não dava para decifrar.
Pois a festa e as risadas acabaram ali, tal o ciúme do Nicanor em querer saber que admirador era aquele com foto e dedicatória, todo “empombado” ?
-Eu não sei, você foi meu único namorado, eu não sei, eu não sei...
E saiu chorando la para dentro.
Emburradíssimo, e pela primeira vez em 60 anos de casados, Nicanor passou a noite sem dormir, remoendo de ciúmes no sofá  da sala, e ela intrigada sem saber quem era o homem da foto, passou a noite sentada na cama enorme pensando e pensando - “Quem seria aquele homem que ela não  lembrava ?...” –
De manhã, Reinilda se arrumou e saiu logo cedo, foi até a igreja encontrar com a Miranda, a sua amiga de infância, levando a foto para ver se ela sabia quem era aquele homem totalmente estranho para ela...
Nervosíssima entrou e logo viu no lugar de sempre a amiga, mas como a missa estava começando resolveu esperar para depois falar com ela. 
Assim que acabou elas saíram rapidamente e entre as árvores do jardim,  a amiga mostrou a foto da briga que causou a separação de Reinilda e Nicanor.
Miranda olhou, leu revirou ou tentou ler os rabiscos inteligíveis, virou e revirou a foto nas mãos negando com a cabeça conhecer aquele homem. 
tristemente, Reinilda já ia saindo desenxavida quando a Miranda gritou:

- Lembrei! Era um ator de cinema famoso naquela época lembra?  A gente escrevia para a revista Cinelândia e depois recebia a foto com dedicatória e todas as informações sobre o ator que a gente queria uma lembrança. O nome dele eu não me lembro, ai é querer demais né amiga? Hahahaha.

(Essa historinha da fotografia foi inspirada numa história verdadeira que meu pai contava de uma parente dele. Ela dava chilique e desmaiava por tudo.)

2 comentários:

  1. Que desastroso mal-entendido, heim? Adoro fotografia, Clotilde. Quando adolescente, tinha laboratório fotográfico improvisado em um dos banheiros de casa. Só foto PB. Seu texto me trouxe um pouco desse tempo bom. Um grande abraço!

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  2. Eu entro dentro de suas historias e pena que sao pequenas.Da vontade de continuar a ler.... As palavras,colocadas,e muito bem colocadas,faz muita vida a historia. Obrigada e ja espero a proxima leitura.Muita luz e inspiração,para nos arrancar risadas e o que pensar.Sua amiga e fã incondicional.,Vânia Brandao

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