sábado, 12 de outubro de 2013

A Carraspana

                                                                    A Carraspana
Ele se olhou no espelho e levou um susto. Seu nariz havia sumido e no lugar um enorme e rosado focinho de porco, redondo e com os dois furos tradicionais.
Ficou tão apavorado que ao virar-se rapidamente estatelou-se no chão, como aquela da canção; “Terezinha de Jesus, de uma queda foi ao chão, ♫♪ acudiram três cavaleiros...”, que aliais cantarolou enquanto tentava se erguer sem sucesso.
Olhou as mãos à sua frente e horrorizado viu que elas também haviam sumido, ficando no lugar duas autênticas patas de porco, com aquele casco partido formando o que poderia se chamar de dedos.  Apavorou ainda mais e com dificuldade se arrastou até o espelho do quarto, de corpo inteiro, tentando entender o que havia acontecido.
Dentro da cabeça badalava insistentemente um sino de bronze.
Ao se olhar no espelho só não caiu para trás porque se deu conta de estar literalmente de quatro. Diante dele a imagem refletia um enorme porco rosado e meio cinza em algumas partes. Era um porco!!! Mas pelo menos estava limpo, ou assim lhe parecia. Mas era um porco, no melhor e no pior sentido da palavra.
-E agora? – Pensou. Diria alguém; escreva para uma revista e pergunte o que fazer...
Saiu se arrastando lentamente de quatro, na direção da porta da rua pensando em procurar ajuda. Ao se deslocar com certa dificuldade passou por cima do tapete fofo da sala e resolveu descansar para ver se o badalo parava um pouco de tocar na cabeça e se esparramou totalmente, rolando de um lado para o outro como um porco chafurdando na lama. Daí a pouco resolveu sair para a rua e tentou mais um pouco se arrastar em direção a porta, sentindo sacudir o trazeiro gordo e rosado, o que lhe causou certo constrangimento.
Ao se deparar com a porta de saída, tentou ficar de pé, se segurando na maçaneta, mas foi impossível. –Como seria bom ir para a piscina e me refrescar na água gelada-. Pensou levemente animado.
Depois de algumas tentativas infrutíferas, retornou ao tapete macio da sala, esparramou-se novamente e acabou dormindo grunhindo palavras inteligíveis.
De repente se deu conta que sentia alguns cutucões nas costas e no trazeiro nu, enquanto ouvia uma sirene de polícia la fora, o que o fez pronunciar mais resmungos e grunhidos inteligíveis cuja tradução era: Mas que zorra é essa?
Mesmo sem abrir os olhos falou: - Será que é contra lei virar porco?-
Finalmente abriu os olhos e deu com a faxineira de pé ao lado dele empunhando o cabo de vassoura, enquanto falava num forte sotaque:
- E, pois agora seu Olavo?! Parece que a noite foi ótima em? Já vi as garrafas vazias por ai e novamente amanheceu nu esparramado como um porco no tapete da sala. Toma jeito seu Olavo, já ta na hora né?
 

2 comentários:

  1. Aahahahaha.... um começo bem kafkiano e um final bem brasileiro....rsrsrsrs (sorte dele que se livrou de virar um churrasquinho....rsrsrsrs)....

    ResponderExcluir
  2. Eu tb ia falar de Kafka, a mesma observação da Ligia. Me divert muito com a inspirada carraspana, Clotilde! Abraços.

    ResponderExcluir