sábado, 13 de fevereiro de 2010

13 de fevereiro

Hoje é o aniversário do meu irmão primeiro e único. Somos três irmãs e um só irmão.
Difícil seria defini-lo como personalidade, mas sem dúvida um homem inteligente honesto e bom, totalmente voltado para a família. Nasceu, como contava a minha mãe, no auge de uma terça feira de carnaval ao som da batucada e da música "O teu cabelo não nega". 
Ama o mar e os peixes (que ele pesca desde pequenininho quando minha avó materna, fez e lhe deu, uma tarrafa de pescar de acordo com o seu tamanho, quando não tinha ainda cinco anos, e daí nunca mais parou de construir a tarrafa (instrumento para pesca tecida manualmente em fio de nylon) e pescar TODOS  os dias como um hobby e higiene mental, como ele mesmo diz. Geralmente doa a pescaria para quem estiver por perto e vai todo feliz para casa. Mas pelo menos algumas tarrafadas já o faz recuperar-se de qualquer aborrecimento natural dos dias de aborrecimento que todo mundo um dia tem.
Para mim ele foi o modelo de pai, já que o meu pai ficou doente eu ainda era muito pequena e vivia lendo ou em repouso. Ja o meu irmão me levava a passear na bicicleta dele e ainda me levava a pescar siri nas noites de inverno e lua cheia. Eu adorava aquela atenção que "um ser mais velho" me dava. Coisa de criança que cresce no meio de adultos ocupados.
Ele foi atleta remador do Clube de Regatas Martinelli de Florianópolis-SC e fez bonito, ganhou muitas medalhas inclusive o de campeão Sul-Americano, proporcionando sempre orgulho e admiração da família por esses feitos.
Daí que um dia, resolvi escrever uma história sobre o mar e um misterioso cuidador dele, e saiu esta história que também já postei em algum dos meus bolg's, mas eu particularmente a acho muito interessante. Então no dia de hoje, 13 de fevereiro faço uma singela homenagem ao meu irmão primeiro, José Carlos Tolentino de Souza.
Feliz aniversário, querido. Mil beijos de saudade

Meus irmãos: Nanci, José Carlos e Nádia.
Eu amo muito vocês.

A Concha Azul

Quem visse aquele homem andando pela praia catando conchas, não imaginava a grandeza de alma que era.
Morava no canto da praia, num recanto distante e quase deserto entre pedras e algumas árvores nativas e vegetação baixa e rústica, num rancho de madeira tosca onde tinha por companheira uma velha canoa.
Era bem conhecido pelos que moravam na região e de muita gente que só vinha passar o verão. Homem simples, culto e inteligente que gostava de conversar qualquer assunto surpreendendo aqueles que o conheciam pela primeira vez.
Todos os que passavam por aquele canto da praia, paravam para conversar e até se surpreendiam com aquele homem; seu Zezé da praia, como era conhecido; uma mistura de bruxo e filósofo, médico e psicólogo, e talvez mais alguma coisa. Sabia tudo sobre marés, sobre as estrelas, constelações, estações do ano e meteorologia, peixes, botânica, remédios caseiros, sabia se ia chover ou fazer sol, enfim um homem especial, cheio de sabedoria.
Gostava especialmente de catar cochas e sementes que o mar trazia e as presenteava a todos que o visitavam para uma conversa amiga. As pessoas saiam encantadas com a sua generosidade, simpatia e a simplicidade do homem curtido pelo sol. Tinha uma alma iluminada.
Certa vez um grupo de pessoas conversava alegremente com ele, num dia qualquer de verão sob a sobra de suas árvores amigas, quando de repente seu Zezé, se dirigiu para um lado parando diante de um homem e olhando firme nos olhos dele lhe entregou uma concha fechada e disse:
"-Esta concha guarda a felicidade e a realização de um sonho seu. Guarde-a sempre com você mas confie mais em você mesmo, no seu coração e tudo dará certo."
Incrível, mas as pessoas saiam renovadas, confiantes e mais felizes. Outras vezes quando percebia uma pessoa estressada ou deprimida, com problemas, oferecia-lhe uma semente e geralmente lhe dizia:
"-Guarde esta semente. Como pode ver ela é uma árvore em potencial. É só plantá-la e cultivá-la com carinho e principalmente não deixar de observar tudo o que acontece com ela, todos os dias. Pois essa é uma das formas de protegê-la."
Incrível mais com esta simples atitude a pessoa envolvida em cuidar da planta, deixava de lado os seus problemas e se curava de tudo que a incomodava.
E assim seu Zezé da praia vivia a sua vida quase na solidão, sempre rodeado de pessoas no verão e de conchas e sementes no inverno.
Certo dia, num fim de tarde, seu Zezé estava andando pela beira da água pensando na vida, como era de costume, quando viu uma luz estranha vindo do fundo do mar. Curioso, entrou um pouco mais na água, e foi até onde a luz era mais visível e esticou a mão para pegar "a coisa" luminosa, mas a retirou rapidamente assustado;
-O que será isso? Nunca vi nada igual?!
Mas a curiosidade foi maior e seu Zezé pegou "aquilo" de dentro dentro da água com cuidado. Era uma concha azul muito bonita, azul claro, bem diferente de todas as que ele já vira. Era do tamanho da palma da mão e de formato oval. Aflito, e de maneira instintiva, teve vontade de jogá-la de volta ao mar, mas ela se abriu e do seu interior saiu uma luz azulada intensa como a luz do luar, que nos fascina e deixa extasiados. Seu Zezé a fechou ligeiro e jogou-a de volta ao mar enquanto um arrepio lhe percorreu a espinha causando-lhe um calafrio violento no corpo todo, mas não conseguia sair do lugar. Ficou parado olhando a concha azul mergulhada e ainda iluminada, como se estivesse hipnotizado. Virou-se então para sair dali o mais rápido possível, dando passos largos pela água ainda rasa, quando ouviu uma voz clara e macia que o fez paralisar no lugar assustado;
-Não tenha medo, não vou lhe fazer mal...
-Quem é você? Ou melhor; o que é você? Oh meu pai, já vivo falando sozinho e agora as conchas é que falam comigo.
Saiu correndo na direção do seu rancho de canoa onde morava e se ajoelhou diante de uma cruz de madeira tosca decorada com conchinhas e começou a orar com fervor pedindo que lhe livrasse desse mal, da loucura que estava acontecendo com ele. Tomou água da moringa, pegou a canoa e arrastou-a para o mar. Era o que fazia quando estava nervoso. Acomodou-se nela e saiu remando como louco em direção ao horizonte. Quando mais remava mais tinha a sensação de que a concha azul o seguia.
-Ó meu pai! O que será que está acontecendo comigo?
Remou até a ilha que ficava em frente a praia, desceu da canoa e a puxou para a areia. começou a andar desesperado de um lado para o outro. Já ia anoitecer logo e ele não sabia o que fazer, precisava voltar, mas estava com medo. Não sabia nem de quê, mas estava, com medo.Um arrepio esquisito corria pela espinha.
Foi até a canoa, empurrou-a de volta para a água, pegou o remo e voltou para o mar. Quando olhou para o fundo da canoa lá estava ela, a concha azul, linda e iluminada.
-Co-co-como você veio parar aqui?!
-Ora, você ainda não percebeu que eu agora lhe pertenço? Sou sua! Você foi o escolhido...
-Mas eu não quero conversar com conchas. Imagine só, se alguém sabe disso?! Vão me chamar de maluco.
-É claro que não vão! Você pode me mostrar para quem você quiser, mas só você pode me ouvir
-Pior ainda! Imagine eu, um homem velho, conversando com uma concha! E que tipo de conversa eu teria com você? Ai meu pai, como posso estar falando com essa criatura? E ainda discutindo? Eu que larguei minha vida na cidade para não enlouquecer, para sair daquele mundo louco, para encontrar a paz, o sossego, agora estou aqui falando com uma concha, e o pior; ela é que fala comigo. Mas o que é isso, meu pai?
-Ora, você sabe que nada acontece por acaso. Já estava escrito nas estrelas que tudo isso iria acontecer, esse foi o segundo passo do programado; o primeiro foi você ter deixado tudo para trás e vir morar aqui, ter vindo para cá. Agora vamos ao terceiro passo:
-Terceiro passo? A gente fica louco passo a passo? Em quantos passos a gente alcança o hospício?
Por incrível que pareça a concha azul riu tanto do que ele falou, que estremecia, vibrava como um celular e piscava aquela luz que vinha dela, parecendo um anuncio luminoso, o que o deixou mais irritado ainda.
Então ela acalmou-se e falou:
-Veja bem, você não é obrigado a fazer nada do que vou lhe dizer, mas pense que isso é um compromisso que você assumiu antes de nascer, e aceitar vai fazer toda a diferença. Mas se não
quiser, vai sofrer as consequências da sua desistência, infelizmente.
-E ainda mais essa! Uma concha que faz chantagem...
A noite já ia alta e eles continuavam conversando à porta do rancho. Nestas alturas seu Zezé tinha se conformado em não correr mais da concha azul, tinha até acostumado com a idéia de uma concha falante, e como era falante! Com certeza naquele dia ele havia apanhado muito sol, e estava com insolação, febre e delirava. esperava acordar logo e sair daquele pesadelo. E a concha azul continuava a falar...a falar... de falar...
-É mulher, essa concha! Só pode ser...não para de falar...
Pensou enquanto fechava os olhos para tentar dormir e acabar com aquilo, mas antes ainda ouviu:
-Ah, devo lhe informar que leio pensamentos. Quando você se acalmar vai também ler os meus, aí começaremos nosso trabalho.
-Trabalho?Que trabalho? Já sou aposentado e não é uma concha maluca que fala e lê pensamentos que vai agora ser o meu patrão, tá?
-Mas que homem rebelde!? Paz e Amor, meu amigo; eu falo de um trabalho que é mais que um trabalho, é uma missão. Posso garantir que você vai gostar.
-Missão???!
-Isso mesmo, missão.
-Ora, deixa de conversa fiada, de papo furado, de conversa mole, que eu vou dormir. Você, se quiser, que passe a noite aí falando sozinha.
Dizendo isso deitou-se na rede e dormiu em seguida.
Quando acordou achou que tinha sonhado tudo aquilo, quando a viu ao lado da moringa de água a concha azul, e era capaz de jurar que ela sorria.
-Meu pai, não foi delírio então,  nem febre ou pesadelo? Aconteceu mesmo... de verdade?
-Bom dia, meu amigo Zezé da praia. Respire fundo e dê bom dia ao sol, que nos aquece e nos dá vida e vamos à nossa missão.
Seu Zezé levantou os braços para cima e falou:
-Eu me rendo! Eu me rendo a essa loucura, que pelo menos não dói. Vamos a missão! Conte-me tudo e não esqueça nada, minha linda e azulada amiga...
-Olha a ironia, meu amigo, olha a ironia. Vamos falar sério, é o seguinte: eu sou uma cocha "soldado" das muitas que aparecerão pelo mundo daqui para frente. Fomos selecionadas após um grande congresso formado para estudos de preservação da vida no mar. De tempos em tempos, fazemos contacto com pessoas escolhidas, e que foram escolhidas ainda lá no nascedouro e explicamos os nossos planos. Como você sabe a vida no planeta terra tem início no mar e nem o mais pretenso inteligente homem  avaliou até agora a importância do mar para a sobrevivência da humanidade. Só que quanto mais o homem pensa que sabe, mais ele destrói o meio ambiente. Agora o Congresso das Profundezas do Mar está seriamente preocupado, pois o mar está virando uma imensa lixeira, destruindo grande parte da flora e fauna marinha. Até o lixo atômico é jogado nas profundezas dos oceanos.
-É estou sabendo... e o pior é a gente assistir a tudo isso e não poder fazer nada...
Falou com profunda e sincera tristeza.
Agora você pode sim, e esta é a sua missão. É correr o mundo a pé, de canoa, trem , avião ou o que for, do jeito que der, quiser e puder e avisar as pessoas, conversar com as crianças, nas escolas, nas ruas, nas praças onde tiver crianças e falar para elas da importância do mar, dos rios e dos oceanos para as nossas vidas. Toda a ÁGUAdeve ser respeitada como VIDA para todos os que vivem na terra. Aos homens só nos resta lamentar, porque pouco fazem para preservação do planeta, mas as crianças são a nossa esperança. Elas aprenderão desde agora a preservar o mar e as águas pois deles dependerá o futuro de TODOS. Eu lhe acompanharei na sua jornada.


Algum tempo depois, no páteo de uma escola, sentado no chão rodeado de crianças de todas as idades, um homem com uma mochila cheia de conchas, seixos e sementes, contava histórias, sempre falando das maravilhas e da importância do mar para a sobrevivência do ser humano, enquanto mostrava uma concha especial, de cor azul claro, que guardava no seu interior o barulho do mar. Elas a colocavam no ouvido e ficavam maravilhadas. Assim ele as convidava a cuidarem do mar que é de todos, a serem guardiões, ensinando os adultos a não poluir, jogar lixo principalmente o atômico nos oceanos.
Cuidar do mar com amor de verdade.


Depois calmamente, ele guardou todas as cochas e seguiu o seu destino, o de guardião do mar.


                                                                        FIM


Esta história tem os direitos registrados na Biblioteca Nacional



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