quinta-feira, 19 de março de 2015

No escurinho...

                                                         No escurinho...
A partir do momento que tomei a decisão não parei mais de olhar o relógio e daí que o tempo passou a andar mais devagar. O final do expediente estava próximo.
Peguei a minha grande bolsa e enfiei a mão naquele precipício de variedades e toquei em algo firme e liso e agarrei-o decidida. Era o meu batom. Destampei-o com habilidade levei-o aos lábios no espelho do elevador antes que ele se abrisse no térreo. Sai à passos largos, apressada e desviando dos que vinham em minha direção, como se estivesse sendo perseguida por alguém que pretendesse tirar minha vida. Cheguei esbaforida no Metrô, desci os degraus aos pulinhos com o coração disparado no peito, feliz como uma criança. Toda emoção! Olhei o relógio  e constatei que faltavam poucos minutos.
pouco depois o metrô parou na minha estação e um mar de pessoas que saia foi ao encontro dos que chegavam dificultando o caminhar. Acelerei os passos em direção à saída, mas precisei ir em zigzag, pois tudo me parecia lento, quase parando e eu tinha pressa, muita pressa!
Finalmente saí lá fora e o farol de um carro me atingiu os olhos me deixando cega por alguns segundos, mas nem isso me desviou a intenção. Virei à direita no final do quarteirão e atravessei a rua tomando a direção do Shopping onde entrei como um furacão, toda afogueada de ansiedade. Andei até a praça principal e tomei o elevador que por sorte chegava naquela hora. Entrei e apertei o último botão respirando fundo.
Finalmente cheguei ao balcão e comprei a entrada. A sessão já ia começar. Sentei e me envolvi na penumbra fresca me deleitando numa satisfação intima difícil de explicar.
Como pode uma sala de cinema exercer tamanho prazer a alguém? Era um relaxamento total ao mesmo tempo uma excitação de curiosidade, uma adrenalina, que por alguns momentos deixamos de ser nós mesmos para sermos alguém num corpo estranho? A curiosidade por uma nova história, uma nova viagem, uns minutos que nos levam à fantasia, o sonho, com se entrássemos numa nave do tempo sem medidas, sem tempo e espaço, totalmente em suspensão.
É pena que esses momentos únicos têm um fim, um “The end”, e quando as luzes se acendem o encantamento termina, ainda gostaríamos de ficar mais um pouco lembrando das cenas mais marcantes, os efeitos especiais, a fotografia, embalados pelas músicas inesquecíveis, serenas ou violentas.
Mas sempre é preciso sair dali e voltar à realidade, deixar aquele ambiente mágico, mesmo que seja para voltar para casa e ler um livro, para continuar viajando virtualmente.
O mais interessante é que por mais emoções que estes momentos nos causem, nossa mente seletiva pode apagar a história dias depois ou mesmo horas depois, nos deixando a dúvida se vimos ou não aquele filme, não é muito louco isso?
Assim fica mais leve continuar vivendo... 

3 comentários:

  1. Clotilde, este seu ótimo texto me fez lembrar do filme "A Rosa Púrpura do Cairo". Obra extraordinária do Woody Allen, que ele mesmo considera o seu melhor filme. Se ainda não viu, é absolutamente obrigatório. Um dos roteiros mais originais da história do cinema. A heroína da história é muito parecida com a protagonista do seu texto. Abraços e boa semana!

    ResponderExcluir
  2. Não assisti não Marcelo, vou procurar, obrigada.

    ResponderExcluir
  3. Mas nem sempre, Clotilde... Certa vez, ainda jovem, fui ver o filme brasileiro "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Com dez minutos de projeção levantei-me e fui embora. Tinha mais o que fazer... Nem o escurinho e ar condicionado perfeito me fizeram ficar.

    ResponderExcluir