sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Sonho de Consumo





                                                            Sonho de Consumo


Estou escrevendo o meu livro que está em andamento faz tempo e talvez por conta e culpa dele ando sem idéias para o Blog, assim procurando nos escritos antigos me lembrei deste post de 2009, que me comove muito e relembro sempre.

                        A importância de uma porta.

Certa vez, assistindo o Jornal Nacional, me comovi ao me deparar com a triste situação de alguns moradores de rua que foram entrevistados por uma jornalista. 
Tudo bem, de vez em quando vemos esta matéria que a bem da verdade nem nos causa tanta dor quanto deveria, de tão repetida. 
Infelizmente, a gente acostuma, e não devia. 
Mas como dizia, nada de estranho não fosse a batida matéria tratando as pessoas "gente" com perguntas tolas e sem sentido como sempre, mas nesse dia especialmente, fiquei deveras sensibilizada. 
A jovem jornalista foi até um "amontoado de coisas de todo tipo" em baixo de um enorme viaduto e entrevistou uma pobre família composta de marido, mulher e uma menininha de uns 4 anos muito bem cuidada e limpa, diga-se de passagem. A mulher franzina e humilde, sem fazer ideia o que seja decoração ou coisa parecida por motivos óbvios, mas com senso prático admirável conseguiu arrumar seus miseráveis pertences de forma harmônica e prática. Aproveitando os diversos tapetes que arrecadou pela cidade, estendeu-os lado a lado sob a insensível e concreta ponte, fazendo "cômodos" estabelecendo naquele exíguo espaço uma planta baixa onde de acordo com o mobiliário estavam dispostos cada ambiente. No "quarto do casal" uma cama acomodava um colchão antigo de molas e vários restos de mantas e cobertores de todo o tipo esticados uns sobre outros e nas laterais caixotes acomodavam as roupas dobradas, talvez até de marcas famosas que ganhavam pela cidade. 
Mais ao lado, um tapete delimitava o "espaço" da filhinha, onde dormia placidamente num berço cor de rosa entre bonecos de pelúcia, "levemente" descorados e faltando alguns membros. Do outro lado, um velho móvel guardava umas latas de Nescau e leite em pó com comidas secas e bolachas que ela fez questão de mostrar e até oferecer a entrevistadora. 
Sobre dois blocos de concreto, um fogãozinho de duas bocas todo retorcido "acomodava" uma panela enegrecida de tanto ser usada para cozer algum alimento. Dava pena e ao mesmo tempo admiração ver tanta obstinação em viver em tão difíceis circunstâncias e principalmente da melhor forma com o que tinha ou arrecadavam. 
Mas o que mais me surpreendeu mesmo foi o diálogo (sem noção) da jornalista com a mulher; 
- A senhora consegue morar aqui neste lugar com todo esse barulho?
-Fazer o que né? A gente faz o que pode... 
-E qual é o seu maior sonho, o seu maior desejo? (sempre a pergunta idiota, mas isso não importa agora).
-"Eu sonho em ter um barraquinho meu com janela, porta e tudo, eu até imagino no final do dia quando vai anoitecendo eu vou até a janela e fecho, vou até a porta e eu fecho. A minha maior alegria é ter uma porta para fechar e abrir..."
Alguém faz ideia do que é viver sem portas e janelas para se proteger? 
E você? Qual é o seu sonho de consumo?






Um comentário:

  1. Fatos assim fazem a gente repensar nossos valores... Muito bom texto, Clotilde. Um grande abraço pra você.

    ResponderExcluir