Naquele dia, acordou com aquela obstinação que os jovens
possuem, quando querem alguma coisa. E hoje, essa coisa era ser escritora.
Amanhecia quase sempre com uma personalidade diferente,
também uma característica da idade. Cada momento uma vida em toda a sua
intensidade.
Naquele dia ela apareceu para tomar o café da manhã vestida
de calça jeans, camisa, tênis, óculos (que detestava até ontem), o cabelo
amarrado num rabo simples e uma pasta na mão. Tudo bem discreto. Tomou o suco
olhando para fora da janela completamente “fora do ar”.
Esse comportamento mutante e criativo preocupava muito seus
pais. Mas a psicóloga os tranqüilizava dizendo que a adolescência era uma fase
e que um dia estas excentricidades iam passar. Só que desde os doze anos ela
entrava e saia de uma fase para a outra, sempre com muita determinação.
Para ter ideia quando estivera apaixonada por futebol,
acordava e dormia vestida com as cores do time e usava por baixo do uniforme
escolar, um uniforme de jogador.
Outra época dizia que seria uma bailarina famosa e vivia na
ponta dos pés o tempo todo até que deu uma torção no tornozelo que a deixou com
o pé imobilizado tempo suficiente para desistir do intento e até abandonou as
aulas de balé.
Outra vez resolveu que descendia de uma tribo de ciganos, e andava
vestida a caráter. Via cartas adivinhatórias e vivia lendo as mãos dos vizinhos
do prédio onde moravam para diversão de todos. Ninguém estranhava mais essas
“novidades” de Zelda.
Hoje ela acordou querendo ser escritora. Saiu à rua,
querendo ser escritora. Foi à escola, querendo ser escritora. Era só nisso que
pensava. Tinha mil idéias na cabeça. E durante a aula não tirou os olhos do
professor a sua frente.
“... todos os que escrevem, colocam no papel seus
sentimentos bons e maus. Suas idéias mais profundas ou superficiais. Mas o mais
importante é que o que se passa naquele momento dentro de si é a mais pura
verdade...”.
E com essa frase o professor de Literatura terminou a aula,
deixando Zelda flutuando encantada e mais do que nunca, desejosa de ser uma escritora
famosa.
Suspirou profundamente lembrando-se do seu muito amado
professor. Sim, era por isso que Zelda queria ser escritora, para que seu amado
falasse dos livros escritos por ela com a mesma paixão que ele falava dos
escritores durante as aulas. Tinha tanta paixão por ele que até doía. Bebia
suas palavras e até chorava com a sinceridade dos seus dezesseis anos, enquanto
as colegas riam do seu amor não correspondido.
Naquele dia foi para casa em silêncio, pensando na aula e no
que ele dissera;
“Todos os que escrevem colocam no papel seus sentimentos...”
Quando chegou em casa não quis comer, foi para o quarto e
começou a escrever e escrever sem parar, até que dormiu exausta.
Pela manhã o sol a encontrou estendida, atravessada na cama,
rodeada de bolas de papel amassado. O semblante calmo e despreocupado mostrava
que tinha se apagado mais uma chama forte e luminosa como o sol pela manhã, que
iria fazer parte das experiências e lembranças daqueles que conseguem viver a
cada momento uma curta mas sempre intensa,
paixão de adolescente.
Numa folha de papel ao lado dela estava escrito:
Enquanto as
violetas caem...
Enquanto as violetas
caem sobre a relva fresca,
Após o vento arranca-las da cesta que carrego nos braços,
Saí pisando com os pés molhados
Da água do regato que passava ao meu lado.
O sol se põe lá longe...
Como eu gostaria de ir com ele para onde ele vai...
O vento passeia por mim ligeiramente
Com a pressa de quem vai em busca da felicidade...
Os pássaros em algazarra dão o recital do fim de tarde.
E lá vou eu passo a passo
A caminho do horizonte...
O lugar que me cabe como moradia como o estado de ser e de
estar.
Lá vou eu... As violetas rolam por algum tempo
Ao meu lado carregadas pelo vento
Que me devolvem o seu perfume.
E eu sigo o meu caminho...
Prazer em conhecer a volúvel Zelda e suas violetas caídas. Fique com meu abraço e meus parabéns, amiga Clotilde. Até mais.
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