Lã para o Inverno
Amanheceu um belíssimo dia de outono.
A temperatura
perfeita; nem frio e nem calor.
Nada de suor escorrendo e nem queixo batendo,
tudo dentro do equilíbrio.
Era bem cedo ainda, tinha acabado de amanhecer e o sol
nascer. Sentei-me diante da minha xícara de café para acabar de acordar quando
a criatura peluda parou à minha frente e me perguntou assim à queima-roupa se
eu sabia fazer tricô. E essa é uma pergunta que se faça antes das dez da manhã?
Antes de eu tomar meio litro de café não sei nem quem
eu sou.
- Ãh?
- Eu vou perguntar de novo: Você algum dia fez tricô
nessa longa estrada da vida?
- Bom dia, como vai você; e os parentes estão bem de saúde?
-Já vi que não está dando ainda, vou lá dentro e já
volto, espero uma resposta coerente; é muito importante.
O que fazer quando duas criaturas de fuso-horários
diferentes coabitam no mesmo espaço exíguo?
Quando ia pegar meu jornal, já saboreando a segunda
xícara de café com leite ele apareceu de novo. Parou diante de mim querendo
saber se eu fiz tricô na vida. Ele é altamente insistente.
- Bem, eu já fiz tricô e tenho até um certificado que
me garante, mas eu não me garanto nada fazendo tricô. O cursinho durou seis
meses e enquanto as amigas fizeram dez peças em vários pontos, eu desmanchei o
meu trabalho dez vezes, mas finalmente consegui entregar no
dia da formatura um casaquinho cor turquesa, que doei na primeira oportunidade
para não ficar olhando para ele e me lembrar do período de tortura.
- Tudo bem, não duvido de uma só de suas palavras,
imagino a cena e acho melhor trocar de assunto para não chorarmos juntos. O que
eu quero mesmo é aprender a fazer tricô.
- Continua querendo mesmo depois desse meu sincero
depoimento?
- Claro! Ouvi dizer que tricô e bicicleta nunca mais se
esquece.
- Primeiro me diga qual é a novidade do momento.
- É que ouvi dizer que estamos no meio do outono e
daqui a menos de dois meses entraremos no inverno e com ele o frio.
- O frio chega antes do inverno... aff, que novidade...
- Sim, eu também ouvi dizer, daí pensei numa
oportunidade de ganhar dinheiro fazendo blusas de lã...
Demorei um pouco, confesso, a entrar no clima.
Como em tempos de Pandemia a gente precisa inventar
coisa, achei até uma boa ideia, fazer um cachecol para o inverno. E lá fui eu buscar
as lãs e as agulhas, afinal não custava nada e não consigo negar nada à
criatura peluda que divide a moradia comigo, sem falar que ando muito emotiva e
precisando fazer alguma coisa par me ocupar...
Às cinco horas da tarde ainda estávamos, cada um com um
par de agulhas nas mãos e enrolados entre fios de lã, contando: “um tricô, um
meia, um tricô, um meia”, quando o interfone tocou e era o porteiro perguntando
se podia subir com o casal de Carneiros que estavam entregando...
- Otávio!!!! Venha cá que quero te matar bem
devagarinho...
Desde àquela hora ele está mergulhado nos lençóis,
dormindo como um anjo e não está para ninguém...
Melhor eu voltar ao cachecol antes que eu faça um
macarrão com essa lã e um molho peludo; um tricô, um meia, um tricô, um...
27.03.2020
Pra distrair deste drama de coronavírus, nada melhor que tricotar com a Clotilde e seu fiel escudeiro Otávio! Abraços pra ambos.
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