segunda-feira, 28 de maio de 2012

Olhólhólhó, tás tolo?


                                          Olhólhólhó, tás tolo?
                   Uma historinha escrita em manezês
                   (linguajar dos Manezinhos da Ilha)
- Ô rapariga, eu já não ti disse pra pegá um pano e enxugá essa loiça?
- Mas a mãe não sabe que já aprontei a janta e recolhi a roupa? É só eu pra fazê tudo?
- Cala a boca que ti acarqueto os óio! Pra ficá bispando a rua imitando as raparigas da televisão tu queres, né? Não me arrenega guria, não me arrenega que não tô boa hoje.
Gleci achou melhor não contrariar a mãe e foi para o quarto estudar.
Passado alguns instantes chegou da praia seu Darci carregando um cesto a meio de peixe.
- Ó mulhé, hoje não deu quasnada, só umas cocoroca, uns papa-terra e uns parati piqueno.
- Ara, agora depois de velho tás ficando mandrião, se não deu peixe prum lado fosse pro outro, ora.
-Que é isso mulhé, tácamacaca? Indoidô?
- Não istrova, não me arrenega mais do que já tô, melhor tu ir remendá tarrafa.
O homem ao ver que a mulher estava um bicho, toda arreliada, resolveu voltar para a praia, não sem antes passar no bar e tomar um ferro.
Na verdade a mulher estava azucrinada e reinava por conta de uma dor de dente que a atormentava desde a noite passada, daí sobrou para todo mundo.
 Após limpar os peixes ela saiu porta a fora, andou pela estrada, foi na casa da comadre Martinha, foi na venda, comprou uma coruja e voltou para casa botar uma chaleira no fogo.
Coou um café no boião de barro olhando pela janela o mar lá adiante, calmo e sereno como ela não estava há alguns dias.
Sentou à cabeceira da mesa e comeu a rosca molhada no café quente.
As horas se passaram lentamente e com elas a raiva e a dor de dente de Dilzamar.
Quando o sol desceu o homem voltou e olhou para a mulher sem falar nada , só observando. Depois de se servir do café que se mantinha quente no boião sobre o fogão de lenha, o homem arriscou lhe perguntar se ela havia limpado o peixe. Ela acenou que sim com a cabeça e desviou o olhar para fora enquanto pensava; - Comigo tu não tiras farinha!-

Dicionário da ilha
Acarqueto os óio = te furo os olhos
Bispando – Espionando
Janta - almoço
Guria - menina
Estrada - rua
Cocoroca, papaterra e parati são peixes
Mandrião – malandro, preguiçoso
Tá com a macaca – Está nervosa
Istrova- Atrapalha
Arrenega - Irrita
Arreliada- aborrecida, incomodada
Tomar um ferro – tomar uma pinga
Azucrinada- por demais aborrecida, nervosa
 Coruja – Rosca de polvilho
Boião – Jarro de cerâmica, de barro.
Não tirar farinha - não tira proveito e no caso não tem conversa.

2 comentários:

  1. Olá, Clotilde. Bastante peculiar este rico dialeto barriga verde. Mais uma lavra muito instrutiva e bem-humorada. Já topou com o Mario Prata aí em Floripa? Um grande abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Até onde eu sei, depois de morar muitos anos por aqui o Mario Prata voltou para o Rio.
      Obrigada pela visita Marcelo. Abçs♥

      Excluir