sábado, 29 de fevereiro de 2020

Amarrado com Barbante

                                Amarrado com Barbante
Romualdo saiu do trabalho naquela sexta feira de final de inverno e caminhava pensativo na direção do metrô, quando se deparou com uma pilha de material para reciclagem. Eram revistas, Jornais, papeis e caixas que pareciam conter fotos. Mas algo lhe chamou particularmente a atenção; era um pacote de cadernos, cuidadosamente amarrados em varias voltas, com um barbante grosso.
A curiosidade lhe picou e não resistindo tomou dos cadernos e os levou cheio de curiosidade, em saber o seu conteúdo. Não poderiam ser de escola; ninguém guardaria cadernos escolares com tanto cuidado e zelo. Ou guardariam? Seriam cadernos de Receitas de alguém que gostava de cozinhar e desistiu, ou morreu? Ou quem sabe um diário de alguém com comportamento inconfessável?
Ao chegar ao seu apartamento de homem solitário, ninguém lhe esperava como sempre, então logo foi desamarrando o barbante e começou a ler avidamente o conteúdo de um deles. Anoiteceu e logo se envolveu numa trama de romance policial, que até lhe pareceu uma história verdadeira, escrita com requintes de um escritor minucioso, que sabe escolher as palavras, as situações e que mexia com as emoções do leitor.
Passou todo o fim de semana envolvido naquela história policial bem urdida, que foi lida praticamente de um fôlego só.
No final do domingo Romualdo estava convicto de levar o livro, claro que depois de copiar e imprimir, dando um formato original, para ser editado em seu nome; claro! Seria um Best Seller, sucesso total, mas foi só por um momento de fraqueza, pois sua consciência não lhe permitia, jamais havia escrito qualquer coisa com mais de cinco frases que colava na porta da geladeira, e apenas para a faxineira, que passava lá toda semana e que o abastecia também de algumas compras.
Mas era a consciência que não lhe permitia tal atitude.
E depois, como continuar escrevendo, dando continuidade a um trabalho do qual desconhecia totalmente o seu andamento? Até gostava de ler, mas daí a escrever, da forma que aquele romance envolvente prendia o leitor, seria impossível; havia no seu conteúdo uma magia, um “visgo”, uma realidade que ele não entendia o que era. Chegou a pensar numa história real, verdadeira; só podia ser, para passar tanta emoção verdadeira. Quase dava para sentir a respiração dos personagens, suas angústias, suas dores e o sangue escorrendo... Muito forte, realmente... muito tenso.
Mas algo muito mais intenso lhe impediu de levar a sua ideia de editar o que o autor, por algum motivo não quis ou não pôde fazê-lo; A ética.
Não poderia levar a fama de algo que não fez e não criou. Isso era totalmente contra os seus princípios e tudo o mais que acreditava e queria para a sua vida. Como querer um mundo melhor e mais honesto se ele mesmo não era honesto?
Assim, pegou dos cadernos empilhou-os cuidadosamente e amarrou-os, dando várias voltas no barbante que veio junto, procurando deixar tudo como encontrou, na mesma forma.
Na manhã de segunda feira, deixou o pacote no mesmo lugar, agora sem nenhum material reciclado que já havia sido levado.
Acomodou-o numa mureta, perto da entrada do edifício, onde provavelmente os arrecadadores costumavam recolher materiais recicláveis no final do dia, e foi na direção do prédio em que trabalhava, bem ali perto.
Antes de entrar, olhou para trás e viu que outra pessoa, um homem magro e alto, recolhia cheio de curiosidade o pacote de cadernos amarrado em voltas de barbante...

Um comentário:

  1. É, minha amiga Clotilde... o mundo dá mais voltas que o barbante em torno destes misteriosos cadernos. Mas certamente Romualdo agiu da melhor forma! Abraços pra você.

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