Amarrado com Barbante
Romualdo saiu do trabalho naquela sexta feira de final
de inverno e caminhava pensativo na direção do metrô, quando se deparou com uma
pilha de material para reciclagem. Eram revistas, Jornais, papeis e caixas que
pareciam conter fotos. Mas algo lhe chamou particularmente a atenção; era um
pacote de cadernos, cuidadosamente amarrados em varias voltas, com um barbante
grosso.
A curiosidade lhe picou e não resistindo tomou dos
cadernos e os levou cheio de curiosidade, em saber o seu conteúdo. Não poderiam
ser de escola; ninguém guardaria cadernos escolares com tanto cuidado e zelo. Ou
guardariam? Seriam cadernos de Receitas de alguém que gostava de cozinhar e
desistiu, ou morreu? Ou quem sabe um diário de alguém com comportamento
inconfessável?
Ao chegar ao seu apartamento de homem solitário,
ninguém lhe esperava como sempre, então logo foi desamarrando o barbante e
começou a ler avidamente o conteúdo de um deles. Anoiteceu e logo se envolveu
numa trama de romance policial, que até lhe pareceu uma história verdadeira,
escrita com requintes de um escritor minucioso, que sabe escolher as palavras,
as situações e que mexia com as emoções do leitor.
Passou todo o fim de semana envolvido naquela história
policial bem urdida, que foi lida praticamente de um fôlego só.
No final do domingo Romualdo estava convicto de levar o
livro, claro que depois de copiar e imprimir, dando um formato original, para
ser editado em seu nome; claro! Seria um Best Seller, sucesso total, mas foi só
por um momento de fraqueza, pois sua consciência não lhe permitia, jamais havia
escrito qualquer coisa com mais de cinco frases que colava na porta da
geladeira, e apenas para a faxineira, que passava lá toda semana e que o
abastecia também de algumas compras.
Mas era a consciência que não lhe permitia tal atitude.
E depois, como continuar escrevendo, dando continuidade
a um trabalho do qual desconhecia totalmente o seu andamento? Até gostava de
ler, mas daí a escrever, da forma que aquele romance envolvente prendia o
leitor, seria impossível; havia no seu conteúdo uma magia, um “visgo”, uma
realidade que ele não entendia o que era. Chegou a pensar numa história real,
verdadeira; só podia ser, para passar tanta emoção verdadeira. Quase dava para
sentir a respiração dos personagens, suas angústias, suas dores e o sangue
escorrendo... Muito forte, realmente... muito tenso.
Mas algo muito mais intenso lhe impediu de levar a sua
ideia de editar o que o autor, por algum motivo não quis ou não pôde fazê-lo; A
ética.
Não poderia levar a fama de algo que não fez e não
criou. Isso era totalmente contra os seus princípios e tudo o mais que
acreditava e queria para a sua vida. Como querer um mundo melhor e mais honesto
se ele mesmo não era honesto?
Assim, pegou dos cadernos empilhou-os cuidadosamente e
amarrou-os, dando várias voltas no barbante que veio junto, procurando deixar
tudo como encontrou, na mesma forma.
Na manhã de segunda feira, deixou o pacote no mesmo
lugar, agora sem nenhum material reciclado que já havia sido levado.
Acomodou-o numa mureta, perto da entrada do edifício,
onde provavelmente os arrecadadores costumavam recolher materiais recicláveis
no final do dia, e foi na direção do prédio em que trabalhava, bem ali perto.
Antes de entrar, olhou para trás e viu que outra pessoa,
um homem magro e alto, recolhia cheio de curiosidade o pacote de cadernos
amarrado em voltas de barbante...