Duas criaturas de Deus, um dia se encontraram numa
encruzilhada da Vida.
Uma vinha de muito longe, a outra era dali mesmo, da
redondeza.
Aproveitando a sombra de um arbusto deram-se conta uma
da presença da outra e a conversa foi inevitável.
Uma era falante, segura de si e foi logo contando que
viera de muito longe, que adorava viajar e sair pelo mundo, mas estava muito
decepcionada com o que havia visto até ali, e olha que já havia atravessado
mais da metade do mundo.
A outra não se contendo indagou o porquê de tanta
decepção, e a primeira explicou que pensava que o mundo, o planeta Terra, era
bonito, mas não era.
A segunda indignada, e sem se conter, contestou dizendo
que o mundo era lindo, que era colorido e que as pessoas eram boas.
Mas a primeira logo rebateu um tanto alterada, e foi
dizendo que bem se via que ela só conhecia até onde a sombra alcançava, naquele
canto onde elas estavam.
Pois olha só, retrucou do seu jeito calmo de ser; Não
acredito que o resto do mundo, além do que vejo, seja feio, não pode ser. Conte-me
então como ele é e como você o viu andando por aí.
Então a primeira, com lágrimas de decepção, em voz
baixa foi dizendo que o mundo era cheio de lixo apesar do luxo. Que era cheio
de seres humanos egoístas e egocêntricos, que só trabalhavam para ganhar mais e
mais dinheiro, poder e status. Que cada vez mais se distanciavam uns dos outros
e quando se aproximavam iam por interesses escusos. Que suas indústrias geravam
tanto lixo que os oceanos, mares e rios estavam morrendo. Que os veículos de
locomoção e as fábricas deixavam o céu cinzento de tanta poluição, difícil até
de respirar, e que até havia pessoas, já adultas, que nunca haviam visto um céu
azul e a luz do sol. O ar cheira mal tantos sãos os poluentes jogados na
atmosfera. O barulho é cada vez mais ensurdecedor, tanto que quase nem se ouve
mais os passarinhos e as águas dos rios que fogem cobertos de espuma. O mundo
está morrendo pouco a pouco.
Por um tempo ambas ficaram em silêncio e pensativos;
Será que havia algo que pudessem fazer para mudar este
quadro?
Logo a primeira voltou a falar que não podia entender,
como pessoas tão inteligentes, já que a tecnologia provava isso, não percebiam
que estavam destruindo o ambiente que haviam escolhido para viver, no que a
segunda redarguiu em lágrimas, que estava desencantada com o que acabava de
ouvir; achava até que mais valeria não ter saído de casa para ouvir tal coisa,
ela que também sonhava em um dia sair por ai...
Ambas choraram de tristeza dividindo suas dores e
decepção.
E por ali ficaram até o anoitecer. Dormiram.
Ao acordar a primeira percebeu que havia dormido um bom
tempo, pois fazia frio e o inverno já ia alto. Olhou para o lado e percebeu que
a segunda ainda dormia profundamente enrolada no que lhe pareceu um cobertor.
Sem querer acordá-la saiu tão silenciosa quanto chegou, mas não foi longe ficou
ali perto pensando no que fazer para mudar as coisas. Precisava fazer algo, só
reclamar, criticar e continuar com o mesmo comportamento não ajudaria em nada.
Aguardou um pouco mais, aproveitando um raio de sol pálido que se infiltrava no
vão de pedra em que se encontrava, quando teve uma ideia brilhante.
Imediatamente entrou em contato telepático com sua família espalhada pelos
cantos do mundo e contou seu plano. Iriam se infiltrar nas grandes metrópoles,
sufocar sem causar muitos danos, o suficiente para assustar, só para sentirem
na pele o que o Planeta Terra está sentindo sufocado. Obrigá-los a se isolarem
em seus lares para repensar e resignificar seus valores, e não pode ser por um
tempo muito curto.
É preciso incomodar para sentir o mal estar mesmo.
Juntar as famílias e fazê-los conviver mais intimamente
obrigando-os a se olharem nos olhos, a aprender seus gostos, observar e
conviver com suas idiossincrasias. Precisarão prestar atenção nos velhos, eles
é que construíram o que eles agora usufruem e muitos são jogados de lado. Olhar
melhor aqueles que os servem e limpam sua sujeira, valorizando o seu trabalho.
Precisam sentir de verdade a presença uns dos outros
cobrindo suas necessidades sempre que for preciso trocando favores e
gentilezas, aprender a dividir o pão e fazer caridade.
Precisam aprender a servir e não só serem servidos
achando que o dinheiro compra tudo. Não compra, é uma doce ilusão.
Vai ser necessário aprender que têm horas que o
dinheiro não serve para nada, pois não há o que comprar e a vida não têm preço
e nem dinheiro que pague.
Só os avarentos guardarão o dinheiro com prazer.
Os humanos precisam sentir na pele a febre das
queimadas e a sede dos mananciais ressecados pelo desiquilíbrio e maus tratos pela
natureza.
É preciso acordar para o sentido da vida e ver como a
felicidade só existe de verdade quando ela é dividida e espalhada, só assim
voltará multiplicada.
É preciso acordar para o sentido da vida. Será um
período longo, mas necessário para que o Planeta se recupere dos maus tratos e
a Natureza ressuscite.
Não vejo outra saída, infelizmente.
Acabou de enviar a mensagem por via telepática, se
desconectou, pegou a mochila que descansava ao lado, calçou a bota de caminhada,
surrada e empoeirada pelo uso, colocou o chapéu em forma de coroa e retomou o
caminho.
Logo adiante uma borboleta azul lhe desejou boa viagem
e sucesso na empreitada.
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