quinta-feira, 16 de abril de 2020

Pelos Caminhos que Desconhecemos

                    

                        Pelos Caminhos que Desconhecemos

Duas criaturas de Deus, um dia se encontraram numa encruzilhada da Vida.
Uma vinha de muito longe, a outra era dali mesmo, da redondeza.
Aproveitando a sombra de um arbusto deram-se conta uma da presença da outra e a conversa foi inevitável.
Uma era falante, segura de si e foi logo contando que viera de muito longe, que adorava viajar e sair pelo mundo, mas estava muito decepcionada com o que havia visto até ali, e olha que já havia atravessado mais da metade do mundo.
A outra não se contendo indagou o porquê de tanta decepção, e a primeira explicou que pensava que o mundo, o planeta Terra, era bonito, mas não era.
A segunda indignada, e sem se conter, contestou dizendo que o mundo era lindo, que era colorido e que as pessoas eram boas.
Mas a primeira logo rebateu um tanto alterada, e foi dizendo que bem se via que ela só conhecia até onde a sombra alcançava, naquele canto onde elas estavam.
Pois olha só, retrucou do seu jeito calmo de ser; Não acredito que o resto do mundo, além do que vejo, seja feio, não pode ser. Conte-me então como ele é e como você o viu andando por aí.
Então a primeira, com lágrimas de decepção, em voz baixa foi dizendo que o mundo era cheio de lixo apesar do luxo. Que era cheio de seres humanos egoístas e egocêntricos, que só trabalhavam para ganhar mais e mais dinheiro, poder e status. Que cada vez mais se distanciavam uns dos outros e quando se aproximavam iam por interesses escusos. Que suas indústrias geravam tanto lixo que os oceanos, mares e rios estavam morrendo. Que os veículos de locomoção e as fábricas deixavam o céu cinzento de tanta poluição, difícil até de respirar, e que até havia pessoas, já adultas, que nunca haviam visto um céu azul e a luz do sol. O ar cheira mal tantos sãos os poluentes jogados na atmosfera. O barulho é cada vez mais ensurdecedor, tanto que quase nem se ouve mais os passarinhos e as águas dos rios que fogem cobertos de espuma. O mundo está morrendo pouco a pouco.
Por um tempo ambas ficaram em silêncio e pensativos;
Será que havia algo que pudessem fazer para mudar este quadro?
Logo a primeira voltou a falar que não podia entender, como pessoas tão inteligentes, já que a tecnologia provava isso, não percebiam que estavam destruindo o ambiente que haviam escolhido para viver, no que a segunda redarguiu em lágrimas, que estava desencantada com o que acabava de ouvir; achava até que mais valeria não ter saído de casa para ouvir tal coisa, ela que também sonhava em um dia sair por ai...
Ambas choraram de tristeza dividindo suas dores e decepção.
E por ali ficaram até o anoitecer. Dormiram.
Ao acordar a primeira percebeu que havia dormido um bom tempo, pois fazia frio e o inverno já ia alto. Olhou para o lado e percebeu que a segunda ainda dormia profundamente enrolada no que lhe pareceu um cobertor. Sem querer acordá-la saiu tão silenciosa quanto chegou, mas não foi longe ficou ali perto pensando no que fazer para mudar as coisas. Precisava fazer algo, só reclamar, criticar e continuar com o mesmo comportamento não ajudaria em nada. Aguardou um pouco mais, aproveitando um raio de sol pálido que se infiltrava no vão de pedra em que se encontrava, quando teve uma ideia brilhante. Imediatamente entrou em contato telepático com sua família espalhada pelos cantos do mundo e contou seu plano. Iriam se infiltrar nas grandes metrópoles, sufocar sem causar muitos danos, o suficiente para assustar, só para sentirem na pele o que o Planeta Terra está sentindo sufocado. Obrigá-los a se isolarem em seus lares para repensar e resignificar seus valores, e não pode ser por um tempo muito curto.
É preciso incomodar para sentir o mal estar mesmo.
Juntar as famílias e fazê-los conviver mais intimamente obrigando-os a se olharem nos olhos, a aprender seus gostos, observar e conviver com suas idiossincrasias. Precisarão prestar atenção nos velhos, eles é que construíram o que eles agora usufruem e muitos são jogados de lado. Olhar melhor aqueles que os servem e limpam sua sujeira, valorizando o seu trabalho.
Precisam sentir de verdade a presença uns dos outros cobrindo suas necessidades sempre que for preciso trocando favores e gentilezas, aprender a dividir o pão e fazer caridade.
Precisam aprender a servir e não só serem servidos achando que o dinheiro compra tudo. Não compra, é uma doce ilusão.
Vai ser necessário aprender que têm horas que o dinheiro não serve para nada, pois não há o que comprar e a vida não têm preço e nem dinheiro que pague.
Só os avarentos guardarão o dinheiro com prazer.
Os humanos precisam sentir na pele a febre das queimadas e a sede dos mananciais ressecados pelo desiquilíbrio e maus tratos pela natureza.
É preciso acordar para o sentido da vida e ver como a felicidade só existe de verdade quando ela é dividida e espalhada, só assim voltará multiplicada.
É preciso acordar para o sentido da vida. Será um período longo, mas necessário para que o Planeta se recupere dos maus tratos e a Natureza ressuscite.
Não vejo outra saída, infelizmente.
Acabou de enviar a mensagem por via telepática, se desconectou, pegou a mochila que descansava ao lado, calçou a bota de caminhada, surrada e empoeirada pelo uso, colocou o chapéu em forma de coroa e retomou o caminho.

Logo adiante uma borboleta azul lhe desejou boa viagem e sucesso na empreitada.

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