A Viagem do Otávio
Acordei com um barulho estranho, um resmungo
indefinido, um sussurro que mesmo abrindo a orelha ao máximo e fazendo dilatar
até onde deu meu canal auditivo, o som não chegava limpo e claro ao tímpano; o
som daquele diálogo sussurrado na cozinha.
Deixei para lá e imaginei um rádio mal sintonizado num
programa qualquer de entrevistas, onde havia conversa entre os locutores e convidados;
só poderia ser isso, mas em se tratando do morador que coabita comigo tudo pode
acontecer.
Levantei e fui para o chuveiro para começar meu dia.
Enquanto tomava o banho senti o cheiro de café fresco entrando pela fresta da
porta o que me encheu da alegria, que só sabem do que falo os fissurados em
café, quando esse cheiro entra pelas narinas sem pedir licença tudo passa a ser
diferente ao nosso redor...
Apressei o banho e logo estava na cozinha diante do
Otávio que gentilmente havia feito o café e até arrumou a mesa direitinho.
Já estranhei a coisa. Quando um preguiçoso de
carteirinha faz certas coisas, como agrados espontaneamente, é porque vem
confusão pela frente. Ai vem "côsa".
Respirei fundo e me preparei para pensar depois de
tomar meu café descansada. Antes não dá; sem condições.
Agradeci a gentileza e me acomodei enquanto ele saía
rápido da cozinha se embrenhando no quarto e provavelmente se enfiado
literalmente entre os lençóis.
Os meus neurônios entraram em alerta vermelho na hora:
aí tem, a se tem!
Continuei impávida tomando o meu café que já havia
perdido o gosto e o cheiro, como toma Chá a realeza britânica, com elegância e
aparente indiferença.
Terminei, arrumei tudo, já que não gosto de bagunça, e
fui ler meu jornal sentada confortavelmente na minha poltrona de leitura, mas
os neurônios já haviam ligado a sirene de alarme geral e achei melhor perguntar
o que estava acontecendo no reino do sobrinho do Xá da Pérsia.
Respirei fundo e fui!
Daí ele me contou como se tivesse contando favas, na
maior singeleza, com o seu olhar amarelo vagueando aqui e ali, que ele havia
feito uma viagem àquela noite e que na realidade havia ficado 10 anos fora de
casa...
Saí do quarto batendo a porta atrás de mim e fui ler
meu jornal de volta na sala.
Só que minha cabeça nessas alturas, apitava e zunia
como um alarme de guerra. E quem disse que eu conseguiria ler ou fazer alguma
coisa sem saber dessa história?
Voltei ao quarto dele e o encontrei entre os lençóis
dormindo candidamente e até já ressonava... Ah mas isso não ficaria assim;
puxei a coberta despertando a criatura olhuda e fiz com
que me contasse o acontecido.
- Sabe quando você levantou e foi para o chuveiro? Àquela hora o meu amigo Zogg, um
extraterrestre, ainda estava aqui na cozinha tomando café comigo, até levou uma
garrafa térmica para a nave, para que os outros pudessem saborear essa nossa
iguaria.
- Sei... e...
- Pois é, nesta madrugada eu acordei com um clarão na
janela e logo em seguida me deparei com um ET dentro do meu quarto. Por algum
mistério que ainda não decifrei, eu conversava na minha língua e ele na dele e
a gente se entendia numa linguagem só...
- Ele era verde, ou era como aquele de Varginha, feio
pra dedéu?
- Não vou contar mais nada, você não me leva à sério...
Ameaçou voltar para baixo do lençol, mas não deixei,
queria ouvir tudo.
- Pois ele me convidou para conhecer o planeta dele e
eu fui; entrei na nave de cor cobre bem escura, cheia de luzes espelhadas, sabe
bolas de espelho que refletem luzes? Essa ai, era assim a nave dos meus amigos extraterrestres.
Ele pilotava juntamente com mais dois companheiros de viagem. E Assim lá fui eu com eles. Logo que saímos
fora da atmosfera e da nossa galáxia, o tempo parou e fiquei dez dias no
planeta Rebimbó, enquanto que o nosso passava apenas algumas poucas horas na
trajetória ao redor do sol. Assim fui conhecendo tudo por lá... Você não está
acreditando em mim né?
Achei melhor tomar um comprimido marrom para dor de
cabeça e voltar a ler meu jornal molhado de café...
Bom dia para quem pode... ;)