O Dia do Cisne
Hoje quando acordei as 5 horas da manhã dei de cara com
Otávio pronto e paramentado aos pés da minha cama com cara de poucos amigos.
Antes que eu lhe desejasse bom dia ele me lembrou aos gritos
que conforme o combinado há vários dias, hoje nesse horário já era para
estarmos à caminho da Lagoa.
É que esta semana ele cismou e comprou um cisne-pedalinho
para pedalar nas águas mansas da musa da nossa ilha.
Claro que ao som de uma trombeta dessas pulei da cama
correndo e fui despindo o meu pijama personalizado de Mulher-Maravilha em
direção ao chuveiro para acabar de acordar.
Ao atravessar a sala em direção à cozinha para ligar a
cafeteira vi que Otávio esfregava vigorosamente a pomada para dores musculares
nas pernas enquanto mastigava uma banana para evitar as câimbras, prevenindo o
exercício de hoje que seria pesado.
Da sala, aos gritos, ele parecendo um sargento em quartel
continuava a me dar ordens e quem sou eu para não obedecer...
Reclamava a todo momento a minha demora, mas como eu não sou
ninguém enquanto não tomo meu café e nem começo o meu dia sem a dose de cafeína
continuei na minha.
E ele continuou falando; "que café é esse que não acaba
nunca, até parece o café da manhã do Palácio da Alvorada?!"
Foi ai que ele parou arregalou mais ainda os olhos amarelos
e se deu conta de que o lugar mais adequado para o café da manhã é justamente o
Palácio da Alvorada pelo seu nome, entendeu?
E continuou filosofando enquanto eu tomava o meu café
acordando lentamente.
"Com certeza o Palácio da Alvorada serve um café
daqueles completos sem faltar os biscoitinhos "velhinha ajoelhada"
também conhecido como "joelhinhos", muitos sonhos de todos os
tamanhos e muitas frutas como bananas e abacaxis, tudo regado à chá de camomila
para acalmar os aflitos", hahahaha riu sozinho e continuou no seu delírio.
Depois de muita falação e filologia, muito trabalho para
colocar e transportar o enorme cisne (o bicho é enorme) na carroceria da
caminhonete, procurando esquecer do cansaço saímos pela estrada a fora...
As 10 horas da manhã e mais um pouco conseguimos finalmente
deitar a ave na água. Nessas alturas a platéia só aumentava no pequeno trapiche.
O Cisne parecia que ia levantar vôo tanto que se sacudia
para se nivelar na água ondulada, sem falar nos barulhos estranhos que fazia
por baixo com o atrito da água na estrutura de fibra sintética.
O Cisne impávido com olhar de "tô nem aí" sacudia
na leve marola.
Otávio, nosso marinheiro
de travessias transatlânticas, de colete salva vidas de cor laranja e
quepe de comandante, muito imponente e visivelmente emocionado finalmente
adentrou à embarcação aquática com certa desenvoltura para a viagem inaugural.
Após umas quatro pedaladas para as manobras de desatracação
ele estancou e gritando para mim acomodada ao seu lado; querendo saber onde eu
havia largado a sua mochila, no que respondi que se a mochila não era minha não
podia estar comigo.
Ele apenas me olhou de maneira fulminante que nem pisquei e
desci tão atrapalhada da ave aquática artificial que quase mergulhei nas águas,
isso só não aconteceu porque fui ajudada por algumas pessoas que apreciavam o
desenrolar dos acontecimentos e sai correndo até a caminhonete pegando a
mochila esquecida e reclamada pelo nosso comandante.
Ao voltar toda esbaforida reclamei do peso e até falei que
depois desse dia não precisaria mais fazer exercício e musculação durante toda
a semana.
Ele nem ligou para a minha reclamação e por um momento
magoei...
Rapidamente abriu a mochila e retirou um Champanhe Dom
Perignon 1953 e rapidamente sem dó e nem piedade deu "nos cornos" do
belo cisne com cara de "não tô nem aí" e decapitou a ave para espanto de todos os
presentes que estavam extasiados com a novidade. Uma senhora chegou a cogitar de
denunciar aos "Direitos e proteção dos animais", sendo lembrada pelo
marido que aquilo era uma arremedo de ave, que nem botava ovo.
Não resisti e falei indignada como ele havia comprado um
artigo tão inferior que não resistia nem a uma inauguração condizente com o momento?!
Mas ele foi logo explicando a mim e aos presentes que havia
comprado a ave de segunda mão pela internet diretamente do proprietário de um
Sitio em Atibaia. Ele me garantiu que tinha poucas pedaladas de uso. O dono
queria até vender mais um que fazia par com este, mas como eu não quis ele me
presenteou com o Champanhe para eu não desistir da compra.
Olhei para o relógio que já passava das 13 horas olhei para
Otávio que cabisbaixo carregava nas costas a mochila e caminhava na direção da
caminhonete.
Entrou em casa arrasado. Recolheu-se aos seus aposentos se
meteu entre os lençóis me avisando que não estaria para ninguém até o próximo
feriado. Nem para o dono do Sitio em Atibaia que prometeu ressarcir o prejuízo...