O Interpretador
de Sonhos
Havia no mercado de peixes um trabalhador, exímio
interpretador de sonhos, principalmente para o jogo-do-bicho, costume muito
comum naquela aldeia.
A pessoa tinha um sonho, ele interpretava o sonho e a
pessoa jogava no bicho, como se falava, e no fim do dia, quando saía o
resultado, ia ver se havia ganho algum dinheiro. Às vezes sim e muitas vezes
não. Mesmo assim o povo dali mantinha aquele hábito.
Mas o mais interessante era o resultado da interpretação
que dificilmente, para não dizer NUNCA, dava para entender como o velho da
peixaria acertava e como ele chegava até aquele resultado, o bicho propriamente
dito.
Mas havia um porém naquela consulta inusitada; é que o
velho, mais conhecido como Senador, avisava incansavelmente que para ganhar a
pessoa deveria guardar segredo do sonho e da interpretação, senão os deuses que
acionavam o resultado ficavam injuriados e o bicho “não dava”. E assim
acontecia o tempo todo e como as pessoas vinham comprar peixe, ali mesmo,
baixinho, faziam uma consulta rápida e quando o sonho era longo ele saia para
atender lá fora.
E não foi diferente aquele dia. Seu Nicanor das couves
foi até o mercado comprar um peixinho “pra mode comê mas a muié dele” e
aproveitou para pedir que o amigo decifrasse o sonho dele. E despistando de
tomar um trago no boteco ao lado da peixaria saíram um pouco lá fora para a
consulta.
E Seu Nicanor passou a contar o sonho dele:
- Pois é amigo, esta noite sonhei que caminhava por uma
estrada de terra vestido de rei de capa, cetro e coroa, levando atrás de mim um
séquito de pessoas que traziam na cabeça aqueles gorros antigos de dormir com
uma bola na ponta, logo atrás deles uma comitiva de carroças enfeitadas e
puxadas por cavalos também enfeitados de penachos coloridos. E um determinado
momento todos nós paramos ao redor de um poço de água feito de pedras, onde
havia uma pessoa vestida com uma roupa de dormir listrada em azul, com um balde
na mão e começou a distribuir água. Como rei que eu era, mandei que o cara
parasse e primeiro servisse os cavalos e depois os homens que caminhavam e por
último os que vinham nas carroças.
Depois eu já me vi sem roupa, totalmente nu tomando banho
numa lagoa, tão clara que eu via no fundo um monte de siri correndo, foi então
que acordei.
- O que você acha do meu sonho Senador, qual bicho eu
jogo hoje?
Depois de um tempo meditando ele respondeu:
-Você deve jogar no Jacaré !
E nada mais falou entrando de volta na peixaria.
Seu Nicanor passou no apontador do jogo e saiu de lá todo
feliz com um jogo “todo fechado” no Jacaré.
No final da tarde, ele voltou ao mercado de peixe e
deixou lá um “agrado” discretamente na mão do Senador que sorridente embolsou
sem conferir, confiava plenamente nos amigos que sempre que acertavam levavam
uma porcentagem para ele, era de praxe. E com esse “trabalhinho” paralelo de
interpretador de sonhos ele garantia algum dinheiro a mais no final do mês.
O que ninguém sabia era que o Senador nunca jogava no
bicho, mas garantia o dele todo dia, pois ele dava sempre a dica de um bicho diferente
e quanto mais pessoas lhe perguntassem qual era o bicho que ia dar ele sempre
indicava um diferente, assim um deles, ou vários ganhavam e ele sempre ganhava
a porcentagem, daí porque a importância do segredo que ele pedia aos que
perguntavam qual era o bicho do dia.
Espertinho o Senador, né?