sábado, 22 de novembro de 2014

B.O. da Semana

                                                    B.O.  da Semana. 
Romeiro da Guia era um motorista de entregas que trabalhava como um jumento e comia mal prá caramba. Trabalhava tanto que não sobrava tempo para parar e comer, por conta disso vivia com fome, injuriado com a marcação da mulher em cima dele, que o queria com “barriga de tanquinho” para desespero dele que nos finais de semana ainda precisava malhar por horas.
Daí que em casa a comida era toda balanceada, leve, só de grelhados e saladinhas. Como sabia que ao chegar em casa só iria comer salada de folhas de alface quase brancas, duas rodelas de tomate com sal e limão e um bife de frango magro e pálido grelhado, ele passava antes na casa cor de laranja, na rua de trás, onde morava uma amiga de juventude que sempre arrastou uma asa ou o passarinho inteiro para ele, mas ele fazia de conta que não percebia, até porque não era homem de traições era apenas um homem com fome, literalmente.
E lá estava a Lindaflor quase todos os dias, cheia de carinho e amor para dar, que nem era tão linda e nem tão flor e o recebia com comidinhas tentadoras, daquelas que amava, como a Buchada de Bode, Rabada, Mocotó, o Feijão com carnes bem temperado e por ai vai o “delicado” cardápio de quem trabalha no pesado e não gosta de “frescuras” à mesa. Fora ainda as outras comidinhas irresistíveis, como a Lasanha aos quatro queijos ou uma bela Macarronada com Salsicha ou Linguiça Calabresa e ele se fazendo de coitadinho, com cara de cachorro abandonado, vinha quase todas as noites comer ali, na casa de Lindaflor, antes de ir para casa.
- Oi Passei só para saber como você vai...
E ali era convidado a entrar e comer para a sua felicidade comidas deliciosas.
E depois quando chegava em casa, vinha com a mesma desculpa para a mulher, de que demorava porque tinha que deixar o caminhão pronto para o dia seguinte, limpo e abastecido e com isso tardava sempre, chegava quase as 22 horas.
Daí que algum “passarinho” foi contar para a Zelgamara, nome de sua mulher, que ele passava sempre na casa cor-de-laranja  antes de ir para casa. A mulher enlouqueceu de ciúmes e naquela noite mesmo, quando ele ia saindo na porta com um palito na boca, não sem antes dar um beijo no rosto de Lindaflor que se derretia toda e se contentava com tão pouco na sua vidinha solitária, deu de cara com a Zelgamara de mãos na cintura olhando furiosa os dois.
Sem saber o que dizer e já sentindo tudo o que comeu virar uma pedra no estômago gaguejou algumas silabas sem sentido tentando arranjar uma desculpa para estar ali.
Depois de se socarem os três pela calçada e as mulheres quase arrancarem os cabelos uma da outra, foram todos recolhidos ao camburão que foi chamado para resolver o quiproquó.
Agora diante do Delegado as duas mulheres falavam o mesmo tempo enquanto o homem olhava as duas desconsolado, imaginando que no dia seguinte não teria mais as comidinhas que gostava.
- Doutor, peguei este cachorro em flagrante adultério saindo da casa da amante. Ouvi dizer que passa lá todas as noites para jantar e sabe-se lá fazer mais o quê, antes de ir para casa.
- É isso mesmo, ele passa lá em casa porque ela não faz comida para ele Doutor...
- Eu??? Mas que mentira, mulher!!! Ele tem janta todos os dias e quando chega e ainda come! Esse faminto!
- Pois ele diz que você só come alface, tomate e filé de frango grelhado...
- E você, seu cretino! Ainda chegava em casa e comia para eu não desconfiar de nada, por isso que só engorda.
- Não... Você está enganada... Eu explico...
Tentou balbuciar alguma coisa...
 - Então me diga o que fazia na porta dela dando beijinho e tudo, seu vagabundo traidor!? Era a prova que eu precisava da sua traição...
E avançou na direção dele para lhe dar um sopapo, mas foi detida pelo guarda.
- Se contenha, senhora! De posse de minha autoridade posso mandar prendê-la por desacato. Continue!
Falou com firmeza o Delegado.
- Você sabe, Lindaflor, a Linda, é minha amiga de infância e quando hoje eu passei na frente da casa dela, ela me ofereceu uma Lasanha e eu não resisti, trabalho muito doutor e no pesado, faço entregas e geralmente nem tenho tempo para almoçar e a fome quando bate chega a doer o estômago e me dá até tontura o senhor sabe...
- Eu não sei de nada, vamos em frente que ainda vou jantar... Continue...
Dai Lindaflor se antecipou e retrucou:
-Você faz regime (falou olhando para a Zelgamara), deixa-o sem comer e ainda vem bater na minha porta e eu até pareço que deliro vendo duas antas na minha frente brigando por causa de comida a esta hora da noite? É claro que eu não tenho nada com o seu maridinho minha querida, apenas dou de comer para esse cachorro sem dono, coisa que você não faz. Olha como ele está cada vez mais magro! Dá dó de olhar, tá até envelhecido...
- Anta é você, sua alienada! Não é porque me dá uma comidinha aqui outra ali que vai me desmoralizar e me chamar de anta de velho e de cachorro sem dono, assim também não, ora! Assim você me ofende e faz cair por baixo toda a consideração que tenho por você e vai abalar a nossa amizade...
 Falou o Romeiro cheio de auto-piedade...
Foi quando Lindaflor resolveu abrir para o Delegado a situação toda;
-  Amizade sim e bota amizade nisso, nada mais que amizade, aff...
Falou com ironia olhando bem para Romeiro que desviou o olhar e em seguida virou-se novamente para o delegado continuou:
- É o seguinte "seu doutor"; este homem que aqui está, passa fome como um cão de rua mesmo, porque a mulher dele quase não come querendo emagrecer e quer que ele fique bem magro com barriga de “tanquinho”, então resolveu fazer regime e daí só come as folhas brancas de alface com rodelinhas finas de tomate e não faz comida para ele, comida com “sustança”, entende? Comida forte para homem forte que trabalha no pesado, vê se pode doutor!?
Nisso Romeiro a interrompeu indignado.
- "Peraí!" Cão de rua, não! Não esculacha, já falei que você não tem o direito de me ofender em nome da nossa velha amizade...
- Quem dá de comer tem direito sim; não tem doutor?
- Antes de lhe responder retire a "anta" e o “cão de rua”, pois aqui e agora represento a lei e não permito ofensas diante de mim...
Nisso Zelgamara interrompeu e aos gritos falou:
- Pois eu vou lhe processar sua desqualificada! Vou contratar um advogado e abrirei um processo contra você de injúria e difamação... E quer saber mais, pode ficar com ele viu? Homem com barriga não é comigo, homem para mim tem que ter barriga de tanquinho!
E saiu porta fora sem mais dizer...




3 comentários:

  1. Divertido o entrevero calórico, Clotilde. Uma lavra que demonstra seu bom manejo do diálogo, prendendo o leitor do início ao

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  2. Sempre ouvi dizer que " entre marido e mulher não se mete a colher "
    Angela Villaça

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