Será?
Vocês devem ter notado que sumi daqui por uns dias, mas foi
por um bom motivo;
Otávio desapareceu por um dia e uma noite o que me deixou
sem chão. Fiz um Boletim de ocorrência na delegacia de desaparecidos, visitei
hospitais e necrotério e sai perguntando se alguém o havia visto pela
redondeza. Nada. Desesperada eu me perguntava: -Como viver sem a presença
daquela alma autoritária, mandona, malandra, sem vergonha, destemida e
obstinada criatura, cheia de imaginação e sem muitos princípios? Não imagino e por hora nem quero imaginar.-
Pois bem anoitecia entre nuvens pesadas de chuva que não
tardou a cair em cântaros. Era o dilúvio de Noé na versão atual onde as
enchentes acontecem por conta de bueiros entupidos de garrafas e objetos
plásticos e de todos os materiais imagináveis. Boiam descaradamente pelas
enxurradas sofá de dois e três lugares de várias estampas, fogões de quatro
bocas de cinco e até seis bocas, pneus, máquinas de lavar e geladeiras. Quilos
e quilos de fraldas descartáveis sempre cheias, sacos plásticos de todos os
tamanhos e cores com restos de tudo, o que me faz pensar no ser humano; que
nessas horas é que a gente vê como ainda somos bem "serumaninhos".
Os mangues das redondezas expulsaram seus jacarés que saíram
às ruas de bonés vermelhos reivindicando suas terras moles e encharcadas que
estão sumindo a cada ano que passa misteriosamente. Hoje muitas lojas
construídas na região vendem a marca "Lacoste", talvez por desencargo
de consciência, sei lá.
Olhava eu pela janela que escorria lágrimas de chuva com
certeza copiando meus olhos à espera do desaparecido, quando a campainha toca
estridente e insistentemente.
Fui abrir a porta correndo e com quem me deparo? Sim ele
mesmo em pessoa, pelo encharcado e oiriçado no último e cara de pânico estampado
em cores.
Dei um pulo para traz para não ser atropelada pela criatura
arregalada que foi entrando correndo, fechando as janelas e foi se esconder
dentro do guarda roupas.
- Mas o que está acontecendo? Lhe perguntei entre aliviada e
com raiva, muita raiva, só imaginando o que ele "aprontou" dessa vez;
"Senta que lá vem história" já dizia um programa de televisão de
antigamente.
Sem sair de dentro do armário, escondido atrás do casacão,
ele foi me contando o que aconteceu;
"Eu sai lá fora para apanhar sol no jardim logo depois
do almoço, pois era também a hora que a gatinha da vizinha também ia tomar sol
e bater um papo, mas antes dela chegar aconteceu uma coisa que nem vais
acreditar, o sol apagou de vez, ficou tudo escuro como noite e reparei que o
mundo parou, não havia nenhum movimento, nem som e nem qualquer outro tipo de
atividade. A terra parou literalmente, acho que só eu não congelei no tempo.
Foi quando vi dois caras esquisitos jogarem uma rede magnética, assim me
pareceu, luminosa e cintilante sobre mim
e me carregaram por um facho de luz incandescente que saia de dentro de uma
grande nave, lá para dentro. Era um objeto voador enorme, um OVNI que pairava
ali acima do nosso prédio e que num movimento acima da velocidade da luz foi nos transportando pela imensidão do espaço
sideral. Essa parte foi fantástica."
Nem quis interromper para não perder o juízo e ele
continuou:
"Logo, num piscar de olhos, tínhamos chegado, como eu
diria aterrissamos, se lá não é a terra? Bem deixa para lá. Ao descer também
foi por dentro de um elevador de vidro que andava em todas as direções e nos
levou para um prédio esquisito todo de vidro que só dava de ver de dentro para
fora e de fora parecia quase invisível. Um mistério"
Nessa hora coloquei minha mão sobre a testa dele pois devia
estar delirando, ele me ignorou e continuou contando com os olhos amarelos
fixos em mim...
"Lá dentro me sentaram em uma cadeira cheia de
aparelhos ao redor e rastrearam o meu corpo com um daqueles aparelhos com cara
de barbeador elétrico que lê código de barras, sabe? Aquilo rastreou tudo o que
eu tenho de mais intimo enquanto numa tela aparecia cada detalhe, teve uma hora
que me indignei com a violação de intimidade, mas minha boca estava com um
sensor pregado sabe se lá para quê?!"
- Quis lhe dizer que
era para analisar as bobagens que ele falava, mas me calei e ele foi falando...-
"Após toda
aquela barafunda de coisas acontecendo ao meu redor, me retiraram o sensor da
boca e apareceu um letreiro perguntando se eu estava com fome. Eu quis dizer
que não, pois nem imagino o que esse povo come, mas eles acenderam na minha
frente uma tela com o programa da "Anamariabraga" com o louro José e
tudo. Ela cozinhava alguma coisa muito deliciosa, pois o cheiro impregnou a
sala acendendo a minha fome que naquela hora era igual a dos homens do começo
do mundo. Daí a curiosidade foi maior que a fome e perguntei a eles, como era
que a imagem deles tinha cheiro? Essa tecnologia a terra ainda não atingiu. E
eles pacientemente me explicaram que há muito eles não usavam mais tela física
como a conhecemos na Terra e que o uso da holografia tão trivial entre eles,
lhes permitia inserir focos intermitentes de luz em códigos específicos de
forma subliminar que trazia ao cérebro a lembrança perfeita dos cheiros que se
conhece, assim ao ver a imagem o cérebro conecta o cheiro à imagem e lembrando
intensamente "sentimos" o cheiro perfeito como se estivesse ao vivo. Isso
não é incrível? Só por isso valeu ser abduzido"...
Comecei o ano bem com esse cara cheio de imaginação... ;)