quinta-feira, 21 de abril de 2016

A Hora do Golpe


                                           A Hora do Golpe
Outro dia eu andava distraída pelo lado direito do calçadão quando um tumulto se instalou e começou um corre-corre. 
É que um cara com aparência de bronco, tentou dar o Golpe do Bilhete premiado numa velhinha com cara de boba, mas escolada pela vida, e percebendo a intenção do meliante sacou de uma pequena faca que acabara de comprar e carregava na bolsa, e num golpe baixo atingiu direto a coxa esquerda do sem vergonha que caiu aos pés da amiga da velhinha que havia sido desdenhada pela vítima pela sua idade avançada e sua aparência humilde. Não sabia ele que ela matava um porco com um golpe certeiro. Um só.
Na hora o sangue brotou e passou a escorrer pelas pedras do calçamento aumentando o tumulto enquanto o homem se debatia e gritava em desespero.
A situação se complicou quando várias pessoas aqui e ali ao verem o sangue escorrendo pelo chão desmaiaram. Uns socorriam e outros eram socorridos, abanados e apoiados pedindo que um golpe de ar viesse ajudar as pessoas a reagir.
Aos gritos de sem vergonha, bandido e outras palavras menos elegantes, rodearam o quase cadáver. Uns queriam golpeá-lo mais ainda, porém outros argumentavam que era covardia, deviam esperar a polícia e o socorro.
O pipoqueiro encostou e os vendedores de meias soquetes, celulares e DVD pirata, não perderam tempo em oferecer seus produtos enquanto a velhinha repetia pela milionésima vez o ocorrido, até que alguém a mandou embora para não ser presa em flagrante e levada para a delegacia. 
Assustada ela saiu rapidamente e sumiu no meio da multidão acompanhada da “irmã” da Igreja que estava com ela.
A Polícia foi chamada e chegou chegando como um golpe de vento, sirene ligada espalhando a roda e já afastando os curiosos que apreciavam o cara se esvair em sangue fazendo fotos e “selfies” com o celular.
Num golpe de vista o soldado mais velho avaliou a gravidade da situação chamou a ambulância e ainda avisou da urgência.
Ao perguntarem aos presentes se viram o ocorrido a maioria só falava que a velhinha tinha acertado um golpe de canivete, outros diziam que era um golpe de peixeira, outras já afirmavam que ela carregava um facão de cortar cana que desembrulhou rapidamente e deferiu o golpe rápido e certeiro na perna do golpista.
O soldado que escrevia a ocorrência na prancheta que levava na mão só entendia a palavra golpe, vinda de todas as bocas, talvez por estar na moda. 
Todos queriam falar até que ele foi perguntando os nomes e os convidou a ir até a delegacia quando chamados para contar o que viram.
Na mesma hora todos foram dando desculpas e foram saindo de fininho. Ninguém queria se comprometer...
Continuei o meu caminho e atravessei para o lado esquerdo do calçadão ao avistar uma amiga que não via há muitos anos. Antes não tivesse feito isso. 
A mulher desatarraxou a boca e não parava de contar tudo que aconteceu na sua vida. Desde o primeiro casamento e as outras muitas tentativas que não deram certo culminando com a declaração sincera de que havia dado finalmente o golpe do baú num velho rico. Agora ela aguarda ficar viúva para sair viajando pelo mundo.
Pode isso, eu em? Cada uma...
Continuei o meu caminho na direção da ótica para comprar um par de óculos de sol e quando cheguei na frente da loja havia um aviso dizendo que por motivo do sócio ter dado um Golpe eles estavam de portas fechadas até resolverem o problema. Pediam desculpas e esperavam que os clientes entendessem a situação.


Sem-or ! Voltei para casa rápido, pois havia um burburinho diante de uma televisão ligada numa loja de que estava acontecendo um Golpe de Estado...  É mole?

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Pena eu?

                                                                Pena eu?
 Sabe aquelas colecionadoras compulsivas, daquelas que escolhe um objeto para amar e colecionar e vai longe, literalmente, para conseguir novos exemplares?
Pois é, dona Angolina não era diferente. E por morar numa cidade pequena se tornou uma pessoa folclórica.
Sim, ela colecionava galinhas de todo tipo. Tinha tantas imagens das penosas que a sala ficou pequena para tantas que muitas se espalhavam por toda a casa. 
Sua cama era em forma de ninho com colchão, cobertas e travesseiros de penas de galinha que eram levados ao sol diariamente, para não criar “piolhinho de galinha”.
Tomou para si os hábitos galináceos de acordar com o cantar dos galos que criava no quintal e ia dormir com as galinhas logo ao escurecer. “Galinha velha, poleiro cedo” repetia sempre ao sair da padaria nos finais de tarde carregando um pão de milho.
Era apaixonada pelas galinhas desde criancinha, ela, não as galinhas, e abominava o ato de matá-las para comer. Jamais havia comido uma só coxinha de asa bem fritinha no alho e óleo ou chupado aquele pescocinho delicioso que vem mergulhado na canja. Não sabe o que perdeu.
Aliais ela jamais tomou canja na vida!  - Falava com orgulho. -
 Para ela, era comer suas “irmãs” ou seus ovos, era um ato canibal seja lá o que isso represente.
Era solteirona e maldosamente diziam que era porque ainda não havia encontrado o galo encantado.
Suas roupas eram de estampas semelhantes aos desenhos das galinhas carijós e d’Angola, todas pintadinhas e as famosas “pied de poule” eram as suas preferidas.  
Usava sempre chapéus com penas decorativas e esvoaçantes para se proteger do sol sempre que saía à rua, e se sentir “empenada” (essa foi infame) como suas “irmãs” de penas...
Sua fascinação pelas penosas chegou a um ponto de fanatismo pela espécie que chegou a ir ao médico reclamar de dor na moela, no que lhe foi receitado reduzir alguns grãos pelo excesso de glúten.
Certo dia ao acordar se olhou distraidamente no espelho e voltou a olhar melhor quando reparou que a quantidade de “pés de galinha” havia aumentado em seu rosto e isso por mais incrível que possa parecer, deixou-a super feliz. Tão feliz que resolveu voltar ao ninho, como chamava a sua cama, e dar mais um cochilo.
Daí sonhou que havia de fato se transformado numa imponente galinha d’Angola e que toda vaidosa caminhava pela cidade carregando uma linda cesta decorada com um laço de fita azul e com uma dúzia de ovos dentro. Era seu tesouro. Iria chocá-los e criar seus pintinhos.
Continuou seu passeio e se dirigiu até a praça onde havia uma grande festa e no alto do coreto um galo cantava cada vez mais alto, só que era um galo de catavento que girava ao vento sem parar. Foi uma decepção, mas a música continuava e ela encantada com o canto parou extasiada diante do coreto.
De repente o catavento parou e a música também e o galo de metal desceu se transformando em um galo de verdade, lindo, imponente cheio de penas coloridas, sacudindo nervosamente a crista vermelha diante dela e seus ovos.
Emocionada, com olhos lacrimejantes ela se emocionou quando ele começou a cantar para ela em tom melodioso, “Esse cara sou eu” com a voz de ninguém menos que do autor Roberto Carlos.

Foi quando uma voz cortou a melodia gritando: 

Pamonha, pamonha, pamonha fresquinha....

É claro que Angolina acordou injuriada com o carro da pamonha passando na sua porta e tocando a música do "Rei" no maior volume fazendo acabar o encanto...
- “Arrehégua”, quem come pamonha a esta hora da manhã?-